2006-01-14

Perigo iraniano



A intenção, nitidamente maliciosa, de o Irão querer obter energia nuclear com o argumento de necessidades energéticas, mas é o 4º maior exportador de petróleo; quando nos últimos anos desenvolveu mísseis de médio alcance; e uma investigação secreta de quase vinte anos sobre o uso do nuclear como arma; um continuado impasse de negociações; esta semana o rompimento dos selos (colocados pela ONU) nas suas instalações nucleares; e por fim, alimentando - desde sempre aliás - uma hegemomia político(religioso)-militar na região, e intensificada por um recém-presidente radical e perigoso nas palavras, demonstram um grave problema para o futuro próximo. A instabilidade da área em nada precisava de mais esta ingógnita hostil. A intervenção americana no Irão e a luta com a Al-Qaeda também no Afeganistão, a recente situação em Israel, o impasse volátil no Líbano e na Síria, apenas saciam a vontade de ideologias extremistas para a desconfiança, a ameaça e a confrontação. A violência alimenta-se da violência e alicerçado no conceito das armas de dissuação (vulgo nucleares) a vontade do Irão de querer o que Israel (querido inimigo) tem, fazendo vista grossa - particularmente aos EUA, o inimigo-mor - como um puto estúpido que tem uma fisga e os outros não só para meter medo, configura-se como uma atitude de intensa volatibilidade, e cujas intenções hostis não estão descartadas de uso de facto. Vemo-nos, ainda no berço da civilização, confrontados com a incerteza dos dias futuros, onde a sede do poder e da hegemonia, a ideologia dos dogmas desviantes e absolutos se conjugam, que nos podem arrastar para noites longas e sangrentas. Levar o assunto ao Conselho de Segurança é um primeiro passo a dar. Há que estar atento. Muito atento.

2 comments:

  1. POL nº  5771 | Sábado, 14 de Janeiro de 2006
     
    A bomba do Irão
    Vasco Pulido Valente

    Opior pesadelo do Ocidente desde o fim da URSS é quase uma realidade: o Irão não desiste e, tarde ou cedo, se ninguém fizer nada, terá a primeira "bomba islâmica" do Médio Oriente. Essa bomba irá aparecer numa sociedade isolada, com um Estado teocrático e um Presidente radical, Mahmoud Ahmadinejad. Ahmadinejad entrou na política pela franja lunática dos "Guardas da Revolução" (a que ficou ligado) e é domesticamente um populista. Quanto à maneira como vê o mundo, basta dizer que nunca saiu do Irão, que já negou o Holocausto e se propõe arrasar Israel. Não o levar a sério seria um erro mortal. O que tomamos complacentemente por histerismo ou loucura, não passa para ele de uma evidência histórica: enquanto não expulsar e submeter o Grande Satã e os seus comparsas (Israel em primeiro ligar e a seguir a "Europa"), o islão continuará subordinado e pobre. O Egipto perdeu a guerra contra o inimigo, o Iraque também, chegou a vez de ele próprio, Ahmadinejad, tentar.
    Para o Ocidente, há hoje uma única questão: quem o pára e como? E a resposta é inquietante. A diplomacia da "Europa", esse triste cortejo da Alemanha, da Inglaterra e da França, com Solana a reboque, falhou como devia falhar. Desarmada, desunida e sem sombra de vontade de resistir seja como for ou seja a quem for, a "Europa" não intimida, nem convence. O fracasso do Iraque deixou a América temporariamente incapaz de intervir. Israel só in extremis fará alguma coisa. E a ONU, de facto, não existe. Esta fraqueza ilustra uma velha verdade: qualquer demagogo à frente de um país menor pode abalar e até abater a ordem internacional, se achar que a recompensa vale o risco.
    Ahmadinejad, evidentemente, acha que sim. A bomba dá ao Irão a capacidade de dominar o Médio Oriente. Bush provocou uma guerra civil no Iraque e, fora a afinidade de seita, a maioria xiita precisa de apoio. Com um regime inoperante e frágil, a Arábia Saudita não pesa muito. O Egipto, sem petróleo e dependente da América e da "Europa", não serve de contrapeso. A Síria e os principados do Golfo efectivamente não contam. E na cena crucial da Palestina, a bomba tornará Ahmadinejad um herói e um guia. Claro que grande parte do Médio Oriente, da Turquia ao Egipto, reagirá à hegemonia do Irão. Mas Bush garantiu que, esteja onde estiver, a populaça cada vez mais jovem, miserável e desesperada aclamará o Irão como a espada da justiça divina, que nenhum governo se atreverá abertamente a desafiar. Só as democracias do Ocidente, como de costume, têm os meios para evitar a catástrofe que se anuncia. Infelizmente, não têm tudo o resto.

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  2. PÚBLICO nº5780 | Segunda, 23 de Janeiro de 2006
     
    O Irão e nós
    Luis Salgado de Matos

    O Presidente persa prepara-se para confessar que já tem uma bomba nuclear; quer aniquilar Israel; para isso precisa dessa arma.
    Para a conseguir retomou o programa de enriquecimento de urânio; humilhou os europeus; recusou qualquer compromisso; violou as decisões das Nações Unidas; reuniu-se com os movimentos palestinianos mais radicais; para, como escreveu Nuno Severiano Teixeira, instituir "a vanguarda nuclear da revolução islâmica".
    Ao contrário de Saddam Hussein, o Presidente Ahmadinejad já tem o vector que transportará a bomba nuclear, o Shahab 3, com um alcance de pelo menos 1300 Km - capaz de atingir Jerusalém. O Irão está a tornar-se um Estado bandido.

    Acresce que dentro de poucos meses, será claro que a teocracia xiita tem a maioria no Iraque. É o resultado das recentes eleições, conduzidas sob a tutela norte-americana e após a invasão deste país. Bastará esperar uns meses que os "yankees go home" para vermos tomar forma em Bagdad a primeira teocracia autoritária estabelecida pelas baionetas das democracias representativas. Há evidentes conflitos entre o xiismo teocrático iraquiano e o persa mas seria insensato excluir a futura unidade entre eles.
    Significa isto que Teerão prepara a guerra no Médio Oriente. A União Europeia, de novo humilhada - mas ao que parece, não ofendida -, prepara-se para apelar ao Conselho de Segurança. Que acontecerá?
    Certo é isto: a segurança de Portugal está ameaçada. É o "statu quo" no Médio Oriente que garante a nossa paz portuguesa e peninsular.

    Depois de uma campanha eleitoral sobre a manteiga, o Presidente eleito terá que tratar também - e sobretudo - de canhões. Talvez por o tema ser desagradável, quase não foi abordado. Mas não é por ignorarmos o perigo que o perigo desaparece.

    Poderíamos comentar a fragilidade da estratégia da Nato. Washington, depois de ter dado o ouro laico e autoritário ao bandido teocrata e iraquiano, deixa os europeus brincarem com o Irão. O Presidente Chirac ameaça a Pérsia, mas não lhe diz o nome, e é pouco provável que passe das palavras aos actos. Outros europeus já lhe dão mordidelas pacifistas nas canelas - por ameaçar os pobres persas.
    Nada disto é o mais grave. O mais grave é esquecermo-nos de nós. Só os Estados do "Directório" tomaram posição sobre a ameaça vinda de Teerão. Os outros nada dizem. Incluindo Portugal. Não se trata de marcharmos para a Pérsia rapidamente e em força. Trata-se de afirmarmos a nossa voz nos conselhos da aliança a que pertencermos. Pelo nosso silêncio, delegamos nos outros a nossa segurança. Se delegarmos nos outros a nossa segurança, só estaremos seguros se os outros quiserem. O que é o contrário da segurança.

    O próximo Presidente terá que se ocupar de segurança. Terá que se ocupar das alianças externas, do nosso papel nessas alianças, da defesa nacional e das forças armadas. Se não vivermos em segurança, não teremos manteiga.

    [Investigador de ciências políticas]

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