2004-07-29

Incompetente país o nosso

É impressionante. Eu continuo a ficar chocado. Já não devia. Pouco mais há a esperar.
Inacreditável o nível de incompetência, incúria e negligência que parte significativa de governantes e outros indivíduos que possuem bens demonstram ano após ano.
Depois da tragédia do ano passado com incêndios florestais nunca vistos, este ano, a devastação prossegue - e promete mais - quando o governo prometeu que ia pôr mãos à obra para prevenir e criar mais e melhores meios de combate aos incêndios. Criou-se em Dezembro 2003 a Agência de Prevenção de Incêndios e a primeira reunião da comissão foi a... 30 Junho 2004. Bestial, não é?

É certo que a lei actual impossibilita a intervenção estatal quando 90% das matas e florestas são propriedade privada, mas será tão dificil criar condições legais de modo a fazer limpezas, ordenamento do território, colocar mais postos de vigia, tudo em cooperação com autarquias e proprietários? Com uma população prisional em excesso, não haveria condições de parte destes cidadãos contribuirem para a sociedade e fazerem parte destes trabalhos? Quando tudo parecia impossível que a história se repetisse, eis que este ano o flagelo continua tão grave ou mais que no ano passado. Cada vez mais área florestal e ambiental perdida, cada vez mais áreas protegidas vítimas de criminosos que incendeiam e de criminosos que negligenciam.

As zonas de floresta, riqueza impressionante deste país, é cada vez menos uma prioridade política ao contrário do que nos fazem acreditar. Será que ninguem neste país compreende a importância da mancha florestal? Representa riqueza ambiental, económica e mesmo turística. Arrábida e Monchique diminuem a olhos vistos, qualquer dia perdemos o Gerês. Se calhar querem é que arda tudo, tornar o território num grande deserto europeu, tirando daí dividendos económicos invulgares como turismo com camelos e palmeiras e eventualmente dezenas de poços de petróleo entregues a empresas americanas amigas do Bush...

Em vez de comprar 3 inúteis submarinos, incrivelmente caros, com o mesmo dinheiro poder-se-ia adqurir dezenas de aviões de combate aos incêndios, equipar moderna e profissionalmente os bombeiros, criar condições técnicas e humanas de prevencão, ordenamento e combate aos fogos. Mas não. A merda dos submarinos são mais vitais para a segurança nacional (para impedir invasões de temíveis inimigos de mares profundos) do que a preservação do território nacional.

E ontem ardeu o Convento do Beato, em Lisboa. Propriedade privada de notória e usual utilização para diversos eventos, parece que não tinha meios nenhuns de prevenção e combate a possíveis incêndios. E assim 70% do edifício ardeu em apenas uma hora...

Como vêem, políticos ou não, quem tem poder é incompetente e só pensa em si próprio. O nível de responsabilidade e sentido de dever de estado e cidadania já não existe. Pessoas que sabemos que poderiam fazer bom trabalho não o fazem porque há outros que lhes minam o caminho ou os acontecimentos tornam impossível. António Vitorino, Medina Carreira, Marcelo Rebelo de Sousa são alguns exemplos. Mesmo até Cavaco Silva nos pareceria melhor que o que lá está agora. Costumo dizer que eles são inteligentes demais para um grupo polítco dominante ignorante e mesquinho e um povo igualmente ignorante e desinteressado.

Aconselho vivamente a leitura dos seguintes artigos, ainda mais causticos que o meu:
Artigo de Nicolau Santos, Expresso
Artigo de Miguel Sousa Tavares, Público de sexta passada. Nunca li MST tão furioso.


Nota1
Basta ver o inexistente funeral de Estado e respectivas honras a Maria de Lurdes Pintasilgo, mulher intelectual e profissionalmente espantosa, que sempre considerei injustamente ignorada pela maioria das pessoas. Só o Bloco de Esquerda nos últimos anos conseguiu "recuperá-la" para o público.

Nota2
16 seguranças para o Santana...
Aquilo deve ser para impedir mulheres histéricas de treparem o homem

2004-07-26

Pobre país o nosso

Sophia de Mello Breyner. Maria de Lurdes Pintasligo. Carlos Paredes. Um após outro Portugal fica mais pobre. São os chavões da comunicação social usados sempre, sempre que alguém importante morre.
Não bastava o défice, a balança comercial negativa, o desemprego, a inflacção, o "crescimento" negativo da economia, classificados nos últimos lugares das tabelas da UE e da OCDE. Agora, com a morte dos nossos ilustres da cultura, da política, ficamos ainda mais pobres. Mas onde iremos parar? Pelo andar da carruagem, com este novo governo do qual nada se espera, e o lote de notáveis a diminuir e a envelhecer sem qualquer vislumbre de criação de novos valores, os níveis de gestão, educação e cultura cada vez mais baixos, Portugal ficará ainda mais longe dos padrões de uma sociedade moderna e europeia.

Desde a final do Euro2004 que entrámos numa realidade inesperadamente não desejada.
Uma derrota inesperada. Uma nomeção inesperada. Uma percepção inesperada.
O que de inicio foi recebido com alegria (o convite de Barroso para presidente da Comissão Europeia), foi pouco depois substituído pela percepção que ficámos pior que antes.
Melhores dias virão, disso tenho a certeza. Só não sei quando...

Barcelona

Fim de semana em Barcelona.
Extraordinário. Algumas imagens.
Novembro 1998.


2004-07-23

o Amigo Paredes



Mestre maior da guitarra e música portuguesas, faleceu hoje com 79 anos, o nosso amigo Carlos Paredes.
A intensidade da sua interpretação, a liberdade criativa da sua música sempre me fascinaram. Tenho dois albuns em casa e sempre me fascinou a exuberância e a simplicidade das suas composições, mas também a inovação e modernidade logo desde as primeiras músicas ao longo de toda o seu historial musical.
Pessoa simples mas sofisticado e exímio guitarrista, Carlos Paredes deixará para sempre o seu legado musical, cultural e humano a todos os portugueses e a todo o mundo.

PS - destaque para o CD, cuja capa aqui se reproduz, da colecção "O Fado do Público"

2004-07-22

Citizen Designer



Steven Heller, author of Citizen Designer, on design responsibilities:


Milton Glaser often says, "Good design is good citizenship." But does this mean making good design is an indispensable obligation to the society and culture in which designers are citizens? Or does it suggest that design has inherent properties that when applied in a responsible manner contribute to a well-being that enhances everyone's life as a citizen?
For the answer we must also ask the question: What is good design? Is it rightness of form or aesthetic perfection? Is it flawless conception or intelligent usability? The converse, bad or poor design is design that doesn't work. So, is bad design bad citizenship? In fact, bad design is just plain mean while good design presumably serves many citizens.
Nonetheless, "goodness" is subjective and one can be a good (or great) designer without necessarily being a good citizen. But if good design (regardless of style or mannerism) adds value to society, by either pushing the cultural envelope or maintaining the status quo at a high level, then design and citizenship must go hand in hand.
Thomas Watson Jr. said, "Good design is good business." When the former IBM chairman and leading American corporate design patron proclaimed this in the fifties, business was the white knight of postwar American society. Yet during the subsequent years, good business has not always been good business, and good design has sometimes unwittingly supported bad companies.

Business malfeasance is all too common these days.
For example, having risen to the level of tragic-comedy, Enron's shenanigans were the apotheosis of corporate wrong-doing in the year 2002. During the process of spiraling into the abyss, Enron's design -- specifically the Enron logo created by Paul Rand in 1996 -- became the MGM (Money Grabbing Mongrels) lion of greed and corruption. Rand's mark was created to bond Enron's workforce to the corporate culture while branding the company's positive assets on the nation's consciousness. In the modernist tradition, graphic design was employed to foster professionalism, and in this instance Enron's mark helped unify the chaos of its sprawling business. At the time, there was no hint that Enron's leaders would defraud employees or investors; in fact, just the opposite. As a new energy conglomerate it assured jobs for thousands and services to millions. Good design underscored the promise of good business, and, by extension, good citizenship. But when Enron started to rot from the inside the logo became an icon of decay.

What is the responsibility of a designer?
So, what is the responsibility of a designer when design is impeccable but the client is tainted?
Being accountable to some moral standard is the key. A designer must be professionally, culturally, and socially responsible for the impact his or her design has on the citizenry. Indeed, every good citizen must understand that his or her respective actions will have reactions. All individual acts, including the creation and manufacture of design for a client, exert impact on others. But Rand could not foresee Enron's gross betrayal. And even if large corporations are sometimes suspect, why should he or any designer refuse to work for Enron or any similar establishment? A designer cannot afford to hire investigators to compile dossiers about whether a business is savory or not. Yet certain benchmarks must apply, such as knowing what, in fact, a company does and how it does it. And if a designer has any doubts, plenty of public records exist that provide for informed decisions. However, each designer must address this aspect of good citizenship as he or she sees fit.

Milton Glaser tests the designers "willingness to lie"
Two years ago, when Milton Glaser was illustrating Dante's Purgatory, he become interested in the "Road to Hell" and developed a little questionnaire to see where he stood in terms of his own willingness to lie. Beginning with fairly minor misdemeanors, the following twelve steps increase to some major indiscretions:

> Designing a package to look bigger on the shelf.

> Designing an ad for a slow, boring film to make it seem like a light-hearted comedy.

> Designing a crest for a new vineyard to suggest that it has been in business for a long time.

> Designing a jacket for a book whose sexual content you find personally repellent.

> Designing a medal using steel from the World Trade Center to be sold as a profit-making souvenir of September 11.

> Designing an advertising campaign for a company with a history of known discrimination in minority hiring.

> Designing a package for children whose contents you know are low in nutrition value and high in sugar content.

> Designing a line of T-shirts for a manufacturer that employs child labor.

> Designing a promotion for a diet product that you know doesn't work.

> Designing an ad for a political candidate whose policies you believe would be harmful to the general public.

> Designing a brochure for an SUV that turned over frequently in emergency conditions and was known to have killed 150 people.

> Designing an ad for a product whose frequent use could result in the user's death.


A dozen additional steps of varied consequence could be added, but Glaser's list addresses a significant range of contentious issues. Designers are called upon to make routine decisions regarding scale, color, image, etc. -- things that may seem insignificant but will inevitably affect behavior in some way.

- An elegant logo can legitimize the illegitimate;
- a beautiful package can spike up the sales of an inferior product;
- an appealing trade character can convince kids that something dangerous is essential.

The graphic designer is as accountable as the marketing and publicity departments for the propagation of a message or idea.

Talented designers are predisposed to create good-looking work. We are taught to marry type and image into pleasing and effective compositions that attract the eye and excite the senses. Do this well, we're told, and good jobs are plentiful; do it poorly and we'll produce junk mail for the rest of our lives. However, to be what in this book we call a "citizen designer" requires more than talent. As Glaser notes, the key is to ask questions, for the answers will result in responsible decisions. Without responsibility, talent is too easily wasted on waste.

"Citizen Designer" examines and critiques through essays and interviews three areas in which designers practice and in which responsibility to oneself and society is essential. Sections on Social Responsibility, Professional Responsibility, and Artistic Responsibility offer insight into how our peers view their practices as dependent on moral codes. The final part, Raves and Rants, is a soapbox, pure and simple. Our goal in editing this book is not to offer dogmatic decrees or sanctimonious screeds but to address the concern that the design field, like society as a whole, is built on the foundation of . . . well, you fill in the blank.

Ana Hatherly

O que é o espaço?

O que é o espaço
senão o intervalo
por onde
o pensamento desliza
imaginando imagens?

O biombo ritual da invenção
oculta o espaço intermédio
o interstício
onde a percepção se refracta

Pelas imagens
entramos em diálogo
com o indizível




Ana Hatherly
"O Pavão Negro"
Assírio & Alvim
2003

2004-07-19

Black is Beautiful > 2



Vanessa Williams
Actriz e modelo

referências de música V > negra



Erykah Badu, Ben Harper, James Brown, Marvin Gaye, Bob Marley, King Britt

2004-07-13

Al Berto

A Invisibilidade de Deus

dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam:
a sua invisibilidade é aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde podemos compreender todos os oceanos
nunca tive a visão de sua bondosa mão

o certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu



Al-Berto
in "O Medo"

2004-07-08

Tribuna

Publicação local quinzenal. Identidade + layout editorial.
Execução de edições 1 a 5,
primeiro papel de revista, depois papel de jornal.






©2002. Trabalho realizado em parceria.

Black is Beautiful > 1



Susana Traça
Modelo

2004-07-07

Saturno

Contos do Gin Tonic (1

Mário Henrique Leiria é um extraordinário escritor de contos. Sucinto, mordaz, humorístico, irónico. Surrealista.
Em poucas linhas consegue que cada estória atinja dimensões incomensuráveis.

Mário Henrique Leiria nasceu em Lisboa em 1923. Frequentou por pouco tempo a Escola de Belas Artes. Entre 1949 e 1951 participou nas actividades da movimentação surrealista em Portugal. Teve vários empregos: marinha mercante, caixeiro de praça, operário metalúrgico, construção civil. Viajou. Em 1961 foi para a América Latina onde desenvolveu várias actividades, entre as quais a de encenador de teatro e de director literário de uma editora. Voltou nove anos depois. Colaborou em várias revistas e jornais nacionais.
Morreu em 1980.

Obras principais:
A Afixação Proibida (manifesto surrealista de vários autores), 1949
Contos do Gin Tonic, 1973
Imagem Devolvida, 1974
Novos Contos do Gin, 1978


DISCUSSÃO
- Desconfio que a democracia não resulta. Juntam-se astronautas, bodes,
camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e dão-se a todos os
mesmos direitos.
Isso parece-me um erro cósmico. Desculpa.
Desculpei mas fiquei ofendido. Que a democracia era aquilo mesmo, e ainda
com conversa fiada como brinde, isso sabia eu. Que mo viessem dizer,
era outra coisa.
Fiquei ainda mais ofendido, até porque não gosto de erros cósmicos.
Acho um snobismo.
- Eu sou democrático - rugi entre dentes, como resposta. - Tenho amigos no exílio,
todos democráticos.
Foram para lá por serem democráticos. É um sacrifício que poucos fazem,
ir para o exílio e ser professor universitário exilado e democrático.
Eras capaz de fazer isso ?
- Não sou democrático.
Não havia resposta a dar. nenhuma. Ele não era democrático, não
sabia de democracia.
Eu sim, sou democrático, até já quis ir à América, que me afirmaram que
lá é que é a democracia.
Recusaram-me o visto no passaporte, disseram que eu era comunista!
Viram isto ?


CEGARREGA PARA CRIANÇAS
A Velha dormindo
o rato roendo
a Velha zumbindo
o rato correndo
a Velha rosnando
o rato rapando
a Velha acordando
o rato calando
a Velha em sentido
o rato escondido
a Velha marchando
o rato mirando
a Velha dizendo
o rato escutando
a Velha ordenando
o rato fazendo
a Velha correndo
o rato fugindo
a Velha caindo
o rato parando
a Velha olhando
o rato esperando
a Velha tremendo
o rato avançando
a Velha gritando
o rato comendo


TELEFONEMA
Telefonaram-lhe para casa e perguntaram-lhe se estava em casa.
Foi então que deu pelo facto. Realmente tinha morrido havia já dezassete dias.
Por vezes as perguntas estúpidas são de extrema utilidade.


ÚLTIMA TENTAÇÃO
E então ela quis tentá-lo definitivamente. Olhou bem em volta, com extrema atenção. Mas só conseguiu encontrar uma pêra pequenina e pálida.
Ficaram os dois numa desesperante frustação.
Não há dúvida que o Paraíso está a tornar-se cada vez mais chato!


RIFÃO QUOTIDIANO
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

in "Contos do Gin-Tonic"




O REPOUSO DO GUERREIRO
Depois de ter andado bastante tempo de um lado para o outro,voltou a casa,
já com 50 anos.
Trazia um bicho. Uma panterasinha negra de seis meses, cheia de ternura,
amizade e dentes.
Então resolveu ficar sentado, olhando a televisão, os livros, alguma música e
várias bebidas.
Três anos depois ou talvez um pouco mais, não estou certo, alguns amigos
acharam graça ir visitá-lo.
Foram.
Bateram à porta.
Aparecerem dois meninos a abri-la. Dois meninos escuros, com dentes
eficazes e sorriso amigo.
Rosnavam ternamente.


in "Novos Contos do Gin"

2004-07-06

Sophia

Quando eu morrer
voltarei para buscar
Os instantes que não
vivi junto do mar


"inscrição", in "Livro Sexto"


"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo."

discurso na Assembleia Constituinte
Agosto 1975



Noite de Abril


Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera

Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.

"Obra Poética I"
Caminho


A Hora da Partida

A hora da partida soa quando
Escurecem o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida



O primeiro homem

Era como uma árvore da terra nascida
Confundindo com o ardor da terra a sua vida,
E no vasto cantar das marés cheias
Continuava o bater das suas veias.

Criados à medida dos elementos
A alma e os sentimentos
Em si não eram tormentos
Mas graves, grandes, vagos,
Lagos
Reflectindo o mundo,
E o eco sem fundo
Da ascensão da terra nos espaços
Eram os impulsos do seu peito
Florindo num ritmo perfeito
Nos gestos dos seus braços.


"Obra Poética I"
Caminho



Cada dia é mais evidente que partimos


Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.


"Antologia"
Círculo de Poesia
Moraes Editores
1975


O Rei da Ítaca

A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado


"O Nome das coisas", 1977

2004-07-05

universo paralelo



Só pode ser. O que aconteceu ontem foi um castigo dos deuses. Zeus desceu dissimulado de Nelly Furtado sobre o Estádio da Luz e mergulhou todo o mundo num universo paralelo. Entrámos numa realidade virtual.
Na verdadeira dimensão da realidade Portugal ganhou o Euro2004, todos entrámos em alegria colectiva, num sem fim de festejos e boa-vontade espalhados pelos imensos cantos do mundo onde o português é falado. Pauleta marcou o golo da vitória, em redenção consigo e com o povo; Rui Costa e Luis Figo choram felizes abraçados pelo feito que há muito ambicionavam; Eusébio corre pelo estádio com a taça na mão direita e a toalha na esquerda; Scolari, ajoelhado, agradece à Santa; Fernando Couto corre o relvado em cambalhotas aéreas sem fim; Sampaio chora; Durão (José Manuel Barroso, agora) agita a gravata eufórico; a multidão, dentro e fora do estádio, em todo o país, em vários pontos do mundo, delira de felicidade máxima...




Mas a imagem que de facto vemos é outra. Tristeza, incredulidade, consternação, oportunidade desperdiçada. Pauleta, na imagem acima, qual Atlas, carrega todo o peso do mundo, o peso da culpa que de certo sentiu por não ter marcado golos que nos garantissem a vitória tão saborosamente ansiada. Uma incrível e imensa desilusão, um sentimento de perda e impotência percorreu todos os jogadores nacionais; percorreu em todos os corações onde Portugal bate mais forte...



Mas nesta luta de titãs, os nossos saíram de cabeça erguida e todos devemos sentir orgulho pelo sentimento de união, força e amor que houve à volta da equipa, e mais importante à volta do sentimento de ser português que há muito não se sentia, e que muita falta fazia.

Agora, aprisionados nesta realidade castigadora, vamos atravessar um verão e outono fastidiosos e irritantes. Não vai haver paciência para aturar a crise política instalada. Não se vai falar de outra coisa senão do novo governo, Santana Lopes, coligação e restantes partidos, eleições antecipadas, lutas de galos e de ratos por poleiros e tachos...

O que tu e eu podemos fazer? Talvez... Esperar que portugas olímpicos nos tragam boas alegrias de Atenas, e que no verão não chova nem arda, que possamos descansar e nos divertir. E que a retoma venha aí.

Swallow the red pill... or the blue pill. The choice is yours...

2004-07-04

Cidade Termal

Cidade Termal: Boletim Cultural e Urbano
Publicação do Pelouro de Urbanismo da Câmara de Caldas da Rainha

Proposta de layout©2003
Trabalho realizado em parceria.




convite exposição de pintura



©2002. Trabalho realizado em parceria.

Playerzone

Loja de jogos e consolas. Leiria, 2002.
Identidade + assinatura. Comunicação (estacionário, flyer, régua, cartões cliente).
Identificação exterior.







©2002. Trabalho realizado em parceria.

Bons velhos tempos



Bairro Alto, Lisboa
Junho 1998

2004-07-01

Ele será sempre um herói



Pelos campos do mundo senha e signo
ele não desiste e nunca repete
e em cada rua é um menino
de camisola número sete.
Pelos campos do mundo seu nome é quem nos diz
ele corre e finta e dribla e com seus pés
pelos campos do mundo escreve o seu destino.
Por isso diz-se Figo e é um país
com ele o sonho é português.


Manuel Alegre


Para mim, há muito que ele é o melhor jogador do mundo. Os tempos em Barcelona fizeram-no o maior craque depois de Eusébio, e Ronaldo só foi grande na altura porque tinha um colega chamado Luis Figo.
É com muita tristeza que vejo como o povo português consegue destruir tão rapidamente alguém que sempre deu o máximo de si. Mas Figo ontem, no jogo da meia-final, provou mais uma vez (aliás ele não precisa de provar nada) o quanto é imprescindível. Como dizia o ex-director desportivo do Real Madrid Jorge Valdano há alguns anos, Figo não é capaz de jogar mal. Só que como é o melhor marcador depois de Eusébio e já não marca golos há algum tempo as pessoas pensam que já não serve. Mas quem é que distribui o jogo, pensa o jogo, lidera em campo? Os colegas dele, por todas as equipas onde alinhou sabem bem o valor dele. O empenho e a concentração dele em campo são impressionantes. Em Espanha, apesar da má prestação final do Real Madrid, foi reconhecido por todos como o único que nunca baixou os braços.
Ele luta até ao fim.
Se mais pessoas fossem assim, se mais empresas funcionassem como equipas com espírito vencedor, este país seria melhor.

A vitória de ontem frente à Holanda foi difícil mas muito mais fácil de ultrapassar que a Inglaterra. Tal como eu esperava. A confiança que tenho em Figo e em toda a equipa é o que sempre faltou a muita gente neste país. É preciso acreditar que podemos vencer. E isto aplica-se muito para além do futebol, aplica-se ao trabalho, à luta por um país melhor, por um mundo mais justo.

No final do encontro os abraços de todos com todos foram a maior emoção de todas nessa noite. Refiro em especial o abraço forte e longo de Luis Figo e Rui Costa. Os veteranos que nesse mesmo dia em 1991 ganharam o Campeonato Mundial de Júniores. A felicidade e também o alívio que Figo sentiu e partilhou com o seu velho companheiro por finalmente terem conseguido chegar a uma final, foram muito tocantes. A essência do homem-Figo estava ali também. Assim como está na sua fundação que apoia crianças.

Domingo venceremos. Esta selecção merece. Luis Figo, melhor jogador do mundo, merece.