2006-01-12

Presidenciais-2

Sebastianismo serôdio
Ao longo da última década vimos em Portugal altos (breves) e baixos (demasiados), onde algum sentimento de revolta, afastamento e desprezo pela política e pelos políticos aumentou significativamente.
E igualmente ao longo da última década houve uma elaborada e requintada construção de um mito novo. Como uma reciclagem silenciosa e estratégica, claramente com inteligência mas também alguma dose de sorte em virtude da descida constante dos mais diversos índices sociais e económicos do país.
Quando há dez anos se dizia Cavaco nunca mais, eis que hoje 50 a 60% do eleitorado deseja o seu regresso. Porquê? Mais pela descrença que os seus sucessores provocaram que pela memória pessoal e colectiva que dez anos de cavaquismo representaram para o país. Mas, paradoxalmente, igualmente por essa razão de uma década de trabalho que o professor desenvolveu, cujos resultados, bons e maus, eram perfeitamente visíveis. A imagem de intenso e dedicado PM contribuiu para re-consolidar uma memória colectiva de alguém que não brinca nunca em serviço, ao contrário de um que desistiu, outro que fugiu e um último que, esse sim, brincou com todos. Mas esquecem-se de que ele também desistiu. Antes da eleições de Outubro de 95, Cavaco deixou como sucessor um Fernando Nogueira fragilizado e armadilhado. Cavaco tentou uma fuga para a frente candidatando-se a Presidente, mas obteve uma estrondosa derrota. Mas essas eram outras circunstâncias, e o país mudou, a Europa mudou, o Mundo mudou. Muito. Tanto que os portugueses estão receptivos à ideia de colocar num orgão de soberania alguém que amaram e depois odiaram. Tanto que se esquecem de que, em avaliação constante, ao longo destes tais dez anos, Cavaco Silva é tão responsável como os que lhe sucederam - pela perda de oportunidade única e quase irrepetível para uma verdadeira e eficaz reforma da educação, do desenvolvimento sustentado, do ordenamento coordenado, de uma estratégia nacional estruturada e a longo prazo. Mas à ideia do homem-concretização, colou-se-lhe a imagética de homem-providencial (ou o regresso do homem do leme, lembram-se?). O país caiu de novo no messianismo sebastianista que tanto significa um sonho ilusoriamente ignorante - pois o próprio D.Sebastião foi um imenso incompetente, desbaratando as conquistas e abrindo caminho à perda da independência nacional, mas no qual a lenda ajudou a "limpar" a sua memória - como representa também algo que não se deve confundir com política. Podemos acreditar em homens certos, mas não em homens providenciais. Mas igualmente podemos entender que existem lugares errados para determinados candidatos.

Conflitualidade iminente
Um PR não pode afirmar que pode ajudar desta e daquela maneira como Cavaco tem dito. Está, como afirma insistentemente Mário Soares, a enganar o eleitorado. Creio que apesar da boa vontade de Cavaco, a ideia que possui do exercício do cargo pode esbarrar a partir de determinada altura numa reacção negativa de Sócrates, criando-se um "sarilho institucional" como afirmou Santana (numa atitude vingativa, mas acertada). Cavaco demonstra uma ideia para o PR acima das reais possibilidades, entendo-a como orientadora e professoral. Ora aí está profundamente errado. O Presidente pode demonstrar as suas ideias, as suas visões, mas nunca, como indicia nas suas palavras, condicionar uma política para o país a partir do Palácio de Belém. Não temos um regime presidencial como o francês, e claramente as acções que Cavaco Silva defende podem ir para além das competências de um PR, e promovendo uma conflitualidade iminente com o Primeiro-Ministro e o Governo.

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