2005-03-10

poesia: Alexandre O'Neill

Ao rosto vulgar dos dias

Monstros e homens lado a lado,
Não à margem, mas na própria vida.
Absurdos monstros que circulam
Quase honestamente.
Homens atormentados, divididos, fracos.
Homens fortes, unidos, temperados.

Ao rosto vulgar dos dias,
A vida cada vez mais corrente,
As imagens regressam já experimentadas,
Quotidianas, razoáveis, surpreendentes.

Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir.




E de novo, Lisboa...

E de novo, Lisboa, te remancho,
numa deriva de quem tudo olha
de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?

Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?





Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda

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