2005-02-01

poesia: Kahlil Gibran

Uma vez, enchi a minha mão de bruma

Uma vez, enchi a minha mão de bruma.
Quando a abri, a bruma era uma larva.
Voltei a fechar a mão, e então era um pássaro.
E fechei a abri novamente a mão,
e na sua palma encontrava-se um homem
de rosto triste, virado para o céu.
Mais uma vez fechei a mão,
e quando a abri já só havia bruma.
Mas escutei uma canção de uma doçura extrema.


O primeiro pensamento de Deus foi um anjo

O primeiro pensamento de Deus foi um anjo.
A primeira palavra de Deus foi um homem.

Éramos criaturas esvoaçantes,
errantes e desejosas de milhares de anos
antes que o mar e o vento da floresta
nos arrebatassem a palavra.
Hoje como poderemos exprimir
aquilo que em nós é imemorial,
unicamente com os ruídos do nosso passado?

A Esfinge só falou uma vez e disse:
"Um grão de areia é um deserto
e um deserto é um grão de areia,
e agora calemo-nos outra vez."
Eu ouvi a esfinge mas não a entendi.

Uma vez vi o rosto de uma mulher
e senti todos os seus filhos que ainda não tinham nascido
E uma mulher olhou para mim
e aí reconheceu todos os meus antepassados
mortos antes de ela ter nascido



Ainda ontem pensava que não era

Ainda ontem pensava que não era
mais do que um fragmento trémulo sem ritmo
na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.

Eles dizem-me no seu despertar:
" Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita
de um mar infinito."

E no meu sonho eu respondo-lhes:
"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia
sobre a minha margem."

Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
"Quem és tu?"



Kahlil Gibran
"Areia e Espuma"
Coisas de Ler