2004-12-28

The End of Days



4 comments:

  1. Uma querida amiga minha, a passar o Natal na Malásia, viu bem de perto as ondas fatais. Segundo sei, encontra-se bem.
    Outros dois amigos ainda há duas semanas estiveram na Tailândia...

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  2. "CADA MINUTO"
    Jacinto Lucas Pires
    in "A Capital"

    É uma tragédia terrível, perante a qual é difícil ser mais do que silêncio. Morte, essa não-palavra. Falo da destruição causada pelo maremoto no Sudeste Asiático, da catástrofe que todos os dias parece crescer de dimensão. Imagens cada vez mais desoladoras e uma escalada assustadora do número de mortos. Também isso vem acentuar o horror total deste desastre de brutais proporções, essa fixação com os números. Como se, não havendo palavras para aplacar o medo e o nojo da morte, tivéssemos de nos contentar com a distracção disfarçada de um cálculo mórbido. A morte como um zero, como um nada: tudo reduzido a números; milhares e milhares de vidas individuais, particularíssimas, únicas, irrepetíveis, que, de um momento para o outro, parecem tornar-se só números de um número maior. O horror alimenta-se de tudo.

    Também das imagens, que chegam pela televisão ou nas fotografias dos jornais. No modo como por vezes podem voyeurizar a dor, banalizando-a, formatando-a, tornando-a mero número. Número de estatística e número de espectáculo. (Susan Sontag, morta há dias num hospital em Nova Iorque, escreveu com inteligência sobre o assunto.)

    Mas há, apesar de tudo, ilhas de boas novas no meio deste horror. Há a ilha literal em que uma aldeia inteira se salvou da violência do mar, e há o exemplo de heroísmo discreto de pessoas de todos os lados que se entregam a ajudar desconhecidos naquela parte do mundo. Depois do luto pelos mortos, devemos homenagem a estes homens e mulheres que sabem o valor raro de cada minuto de vida sobre a terra.

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  4. "CINQUENTA E CINCO MIL"
    José Luis Peixoto
    in "A Capital" 29.12.05

    Há um número que aumenta. Quando se muda de canal na televisão e se pára por instantes num canal de notícias, quando se liga a rádio do carro, quando se passa pela primeiras páginas dos jornais afixados nos quiosques, há um número que aumenta sempre, que parece infinito. Um número que desejamos que pare, mas que não pára, minuto a minuto, hora a hora, em tantos países, tão longe de nós e, tão perto, dentro de nós.

    Há um número que aumenta. A sua distância é muito maior do que aquilo que os nossos olhos podem alcançar, é um número de milhares e milhares. Quando paramos para pensar no seu tamanho, sabemos que é tão grande, é um número do tamanho de todo o universo, planetas e constelações, galáxias. É um número maior que a vida. Depois de percebermos o abismo infinito desse número, paramos por acaso num canal de televisão, ligamos a rádio do carro, olhamos para a primeira página de um jornal e percebemos que o número é já muito maior. Nesse momento, deixamos de conseguir entender. Tentamos, de novo, imaginar esse número. Apenas sabemos que é tão grande.

    Há um número que aumenta. Cada uma das suas unidades. É possível tentar imaginá-las, mas é impossível imaginá-las de facto. Pessoas. Corpos cobertos por lama. Aquilo que cada uma dessas pessoas sonhava. O número aumenta ao ritmo de coração negro enterrado no centro da terra. Neste momento, enquanto escrevo o tamanho desse número tão triste é cinquenta e cinco mil. Quanto é o seu tamanho agora, neste instante, enquanto lês?

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