Reflexões sobre os efeitos
1. A queda
O óbvio tornou-se óbvio. O lançamento da "bomba-atómica" foi a forma encontrada para derrubar este governo. A instabilidade politico-governativa transbordou o copo da paciência de Sampaio, e este, alicerçado nas razões invocadas na tomada de posse de Santana e nos aburdos e impensáveis acontecimentos dos últimos meses, sem vislumbre para melhorar nos tempos mais próximos, tirou-lhe o tapete. Encostando o PM ao canto da sala, qual castigo escolar, obrigando-o a manter-se oficialmente em funções, mas humilhadamente restrito a governo-gestão com os dias contados, o PR abriu um processo constitucional de consequências inéditas. Mas ainda bem que caiu. As eleições serão o momento clarificador de importância primordial para Portugal. Ganhe quem ganhar.
2. Atitude
Pedro Santana Lopes foi o elo mais fraco da coligação. Responsável último pela situação a que chegámos, PSL continuou a fazer guerra com o PR, fazendo jogo sujo, intrigando, ao jeito que vimos denunciado pelo ex-ministro Henrique Chaves. Acusar o Presidente de mentiroso, depois fazer uma declaração assente em "Porquê?"s parece coisa de garoto de cinco anos. O que é certo é o menino-que-se-julgava-mais importante provocou a sua queda e dos outros meninos (bons e maus alunos) e ainda não entende a razão da queda.
Quanto à demissão, o mais correcto seria demitir-se imediatamente após a comunicação do PR. Dava-lhe alguma credibilidade. Nunca 24 horas depois. Só revela a inconstância e a incerteza das suas decisões, sempre à espera que alguém lhe diga como fazer, mas só quando quer ouvir. A intenção ou sugestão de abandonar o cargo seria a birra-suprema!
Sim, a ideia-imagem de ser apunhalado como César aceita-se. Sim, não teve sossego este governo, como nenhum outro foi assim fustigado. Mas nenhum outro executivo se comportou desta maneira, pelas razões já enunciadas e, num espaço de tempo tão curto. Foi um "bébé" não planeado, onde a "família" não estava preparada para o sustentar. E acabou por falecer na incubadora...
3. Quatro meses desperdiçados
Mas foram só quatro meses!? Partindo logo com alguma desconfiança, nem aproveitaram a euforia - que ainda ficou apesar do 2º lugar no Euro - para galvanizar o povo e, a percepção de que ainda se deviam fazer sacrifícios... Mas foi tempo suficiente para não levar a sério qualquer iniciativa do governo, não acreditar na sua vontade e linha de rumo, provocadora de desconfiança em todos os sectores económicos e sociais como nunca antes se vira. Nunca um governo em tão pouco tempo foi tão odiado.
Leis já preparadas desde Barroso agora concluídas, como a Lei das Rendas, Código da Estrada. Pouco? Sim. Orçamento-PSL-Bagão para 2005 insuficiente. Mas obviamente que haveria muitas mais a serem estudadas, projectos para aprovação, outras prestes a serem concluídas. Mas Ícaro quis voar até ao sol...
4. Oportunidade perdida
O PR deu a PSL uma função honrosa que desonrou. Deu-lhe a hipótese de provar aquilo por que tanta afirmara. Provou o que muitos temiam.
Pacheco Pereira escreveu em Abrupto que PSL "tem pouco interesse e conhecimento das matérias exclusivas do Estado, Negócios Estrangeiros, Defesa, Administração Interna, que deixa praticamente em autogestão aos respectivos ministros. Na macro-economia não se mete, o que faz bem. Na micro já não estou certo, porque a politização dos nossos negócios é enorme (...) Sobra o que sobra: a gestão político-partidária a partir do estado, a propaganda, chamada “imagem”, matérias a que sabemos dedica grande atenção. E depois sobra aquele misto de governo paternalista, envolvendo clientelas e patrocinato, proximidade e festa popular, banda, majoretes e desfile dos bombeiros, inaugurações e foguetes, boletim com cem fotografias e cartazes de promessas, notáveis agradecidos e “sessões solenes”, que é tão típico da forma paroquial como são geridas as autarquias."
Alicerçado apenas na sua capacidade natural e invulgar de retórica e de improviso, por vezes foi-se safando, mas no concreto demonstrou a incapacidade de cumprir um cargo público desta natureza. Levou o país mais fundo na sua vontade oposta de se reerguer. Descredibilizou ainda mais a governação e arrastou quase todos os políticos para níveis de confiança nunca tão baixos. Ele, tão gabarolas, que "dizia, fazia e acontecia" deitou tudo a perder. E as eleições serão a estocada final para nos vermos livres dele.
5. Coligação
Paulo Portas considerado por muitos a "besta" da coligação foi afinal o elo mais forte. "Disciplina, Confiança e Competência" afirma ele, num resumo positivo da participação do CDS-PP no governo. Como já referi, como Ministro da Defesa há muito não se via alguém com resultados nesta pasta, mas enquanto parceiro de coligação, imprimiu a esta uma linha ideológica muitas vezes em conflito com a do PSD. Este engoliu um sapo, mas Portas tornou-se no príncipe nesta AD quando o rei abdicou, subindo ao poder o herdeiro-bastardo.
A novela da coligação/não-coligação apenas se deveu a Santana e seus compinchas. Na ilusão de que ambos obterão votos nas eleições para de novo formar governo, irem separados é sempre a melhor opção para o PP.
6. Oposição
Para os partidos da Esquerda, o lançamento da "bomba-atómica" soube tanto a surpresa como um doce. PS e BE iriam preparar as suas estratégias só no próximo ano. PCP estava, como sempre, "pronto para a luta". Mas entre uma eficaz e combativa forma de exercer a oposição e entre ficar à espera que a laranja caisse de podre a fronteira foi ténue. Afinal eleições seriam só em 2006 e vem aí o Natal e Ano Novo e a malta não quer incomodar-se agora...
7. Campanha e data das eleições
A constituição portuguesa diz que após dissoloção da AR as eleições terão lugar no mínimo de 55 dias. Tanto tempo! Excerto do texto de Miguel Sousa Tavares no Público:"em Inglaterra, quando um governo cai, é imediatamente marcada a data das eleições - que nunca vai além de 20, 25 dias -, a campanha eleitoral inicia-se de imediato e, no dia seguinte às eleições, o novo governo entra em funções. Perder mais do que um mês em todo o processo é coisa que não lhes passa pela cabeça."
Tirem as vossas conclusões onde a democracia e o Estado funcionam melhor.
Estas eleições serão quase como as recentes americanas. Votar contra Santana, será mais importante que votar a favor do PS - pois a alternativa que nos é apresentada não inspira...
Cabe a todos os partidos, conduzir uma campanha lúcida, inteligente, cívica, participativa. Para bem de todos. Será que conseguem?
2004-12-21
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