Eu não queria voltar a este assunto, pois já muito se disse e escreveu. Mas julgo que devo opinar sucintamente as minhas razões por concordar com a queda do Governo e consequentes eleições (apenas) em Fevereiro.
Causas
1. Demissão do PM Durão Barroso
A nomeação para Presidente da Comissão Europeia foi, a princípio um orgulho, mas a aceitação foi um erro. Como Guterres, abandonou o barco, indo para um "certo tipo de paraíso".
2. Indicação pelo PSD de Santana Lopes para PM
O enfant-terrible foi fazendo a sua caminha, mas era para PR porque PM era inacessível. Mas saiu-lhe a sorte grande e a ambição do poder e as influências e a imagem mediática levou que fosse ele o escolhido. Mas também houve cobardia dentro do PSD: agarrados ao poder, um conflito por um novo líder poderia desencadear eleições. Ficou a opção mais barata. E como se sabe o barato sai caro...
3. Indigitação para PM de PSL pelo PR Jorge Sampaio
Na sequência de que cada legislatura deve ser cumprida até ao fim, a escolha de Santana nunca ofereceu no entanto ao PR, como se podia ver no seu rosto pesado durante a tomada de posse, garantias de estabilidade e método governativo. Na minha opinião, deveria ter havido eleições.
4. Inconsistência e falta de visão estratégica
O "andar aos papeis" no discurso de Santana na tomada de posse foi o prenúncio e é a súmula de toda a governação.
5. Discursos surrealistas sobre uma realidade apenas na mente etérea de Santana
Dizer que "a crise morreu! Viva a retoma!" foi de enorme inconsciência e falta de sentido de realidade. Foi deitar abaixo em poucos dias, sustentado por um orçamento incrédulo, a dois árduos anos de sacrifícios e políticas de austeridade do governo Durão-Ferreira Leite. Pondo em causa as expectativas do meio económico para o crescimento de Portugal.
6. Propor medidas incongruentes à medida que abria a boca
E no outro dia desmentidas, e dias depois perfeitamente votadas ao abandono dada as suas impossibilidades. Sem pensar antes de falar, verdadeira picareta-falante (o que diziam de Guterres) todos os dias tínhamos que gramar o homem...
7. Notória descoordenação e instalibilidade intergovernamental
Desmintir ministros, obrigando-os a uma linha governativa ao sabor das "ideias" e de promessas demagógico-populistas. Reorganizações ministeriais notoriamente para fieis-amigos. Demissão-escândalo de Henrique Chaves - que diz tudo deste PM.
8. Arrogância e prepotência
E não "coragem e determinação". No "quero, posso e mando" de determinados actos e opções políticas. Barco do Aborto, comunicação social, Central de Comunicação...
9. Vaidade e ambição desmedida
Pavonear-se cada mês em Conselhos de Ministros reunidos em localidades diferentes, ilusoriamente mais perto dos cidadãos, quando estas deslocações aumentavam os custos a todos os níveis. Ir à Assembleia Geral da ONU e (quase) ninguém saber quem é o sujeito... Assinar o Tratado Constitucional da União Europeia em nome de Portugal como Primeiro-Ministro quando nunca na vida fez por estar ali (mas alguém precisava representar o país).
10. Falta de sentido de Estado
Afirmações e argumentos absurdos e indelicados, pondo gravemente em causa pessoas e instituições. Ignorar o cargo de PM colando-o ao de presidente do PPD-PSD (não estão fartos desta designação que mais ninguém usa?). Abuso da memória de Sá Carneiro. Colocar-se sempre no papel de acossado, sendo afinal vítima de si próprio. Não teria melhor para o governo ele ter estado sempre caladinho?
Nota:
Comentário#4 são excertos da Comunicação do Presidente da República. Aqui diz tudo...
2004-12-16
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Uma vez exercido o "contraditório", devo dizer-te que, apontando o que para muitos são razões válidas, não significam que haja defesa de actos socialistas anteriores. A governação Durão Barroso, mesmo que ideologicamente diferente da minha tinha claramente um rumo e um objectivo (mesmo que sejam questionáveis) que o governo Santana nunca conseguiu transmitir. Aliás paenas transmitiu desconfiança e incredulidade em todos os sectores da sociedade. E quando um país inteiro não se sente bem consigo próprio, vendo a saída ainda tão longe, a queda do governo foi, para muitos, um alívio.
ReplyDeleteAlém do mais ainda me falta a segunda parte deste post, onde explicitarei mais as minhas opiniões.
Durão Barroso enquanto Presidente da Comissão Europeia obviamente que honra Portugal. Ao fim e ao cabo todos ficamos contentes. Mas as circunstâncias e os acontecimentos gerados, de inesperados se tornaram insurportáveis.
ReplyDeleteexcertos da Comunicação do Presidente da República:
ReplyDelete(...) Decidi nesse sentido {não dissolver a AR} porque a maioria parlamentar me garantiu poder gerar um novo governo estável, consistente e credível, que cumprisse o programa apresentado para a legislatura e fosse capaz de merecer a confiança do País e de mobilizar os portugueses para vencer os desafios inadiáveis que enfrentamos."
"(...) na comunicação que dirigi ao País, em 9 de Julho passado, afirmei: “Desde que o Governo saído das eleições parlamentares continue a dispor de consistência, vontade e legitimidade políticas, a demissão ou impedimento permanente do Primeiro Ministro não é motivo bastante para, por si só, impor a necessidade de eleições parlamentares”."
(...) explicitei que manteria em permanência “a minha avaliação das condições de manutenção da estabilidade governamental”.
(...) no momento em que empossei o Governo, reafirmei o que havia dito, sublinhando: “A conjuntura nacional, bem como o delicado contexto internacional, impõem ao Governo uma particular lucidez nas políticas e um rigor na gestão governativa, tal como aconselham a realizar obra consistente e estruturante na solução dos problemas.”
Nesse mesmo discurso, preveni: “O Presidente da República tem que dedicar uma atenção extrema à transparência, equidade e imparcialidade no exercício do poder e à prevenção dos abusos”.
Entretanto, desde a posse do XVI Governo Constitucional, e depois de lhe ter assegurado todas as condições necessárias para o desempenho da sua missão, o País assistiu a uma série de episódios que ensombrou decisivamente a credibilidade do Governo e a sua capacidade para enfrentar a crise que o País vive.
Refiro-me a sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do Governo, dos seus membros e das instituições, em geral. Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do País.
A sucessão negativa desses acontecimentos impôs uma avaliação de conjunto, e não apenas de cada acontecimento isoladamente. Foi essa sucessão que criou uma grave crise de credibilidade do Governo, que surgira como um Governo sucedâneo do anterior, e relativamente ao qual, por conseguinte, as exigências de credibilidade se mostravam especialmente relevantes, e, como tal, tinham sido aceites pelo Primeiro Ministro. Aliás, por diversas vezes e por formas diferentes, dei sinais do meu descontentamento com o que se estava a passar.
A persistência e mesmo o agravamento desta situação inviabilizou as indispensáveis garantias de recuperação da normalidade e tornou claro que a instabilidade ameaçava continuar, com sério dano para as instituições e para o País, que não pode perder mais tempo nem adiar reformas.
Criou-se uma instabilidade substancial que acentuou a crise na relação de confiança entre o Estado e a sociedade, com efeitos negativos na posição portuguesa face aos grandes desafios da Europa, no combate pelo crescimento e pela competitividade da economia, na solidez e prestígio das instituições democráticas.
A insustentável situação a que se chegou – e que certos comportamentos e reacções dos últimos dias só têm contribuído para confirmar – mostra que as tendências de crise e instabilidade se revelaram mais fortes que o Governo e a maioria parlamentar, que se tornaram incapazes de as conter e inverter. Neste quadro, que revelou um padrão de comportamento sem qualquer sinal de mudança ou possibilidade de regeneração, entendi que a manutenção em funções do Governo significaria a manutenção da instabilidade e da inconsistência. Entendi ainda que se tinha esgotado a capacidade da maioria parlamentar para gerar novos governos.(...)
Muito do que dizes é verdade, e outras poderá até sê-lo.
ReplyDeleteTeorias da conspiração são sempre estimulantes, e neste caso também dá para pensar tudo. Mas eu não vou por aí.
Recomendo a leitura diária do blog de Pacheco Pereira "Abrupto" (assinalado nos meus links) para compreender como um militante do PSD, mantendo sempre a sua integridade intelectual independente e livre, consegue avaliar muitas vezes melhor que muitos o que se tem passado. Pacheco Pereira será um dos "senadores" que apunhalaram o PM nos últimos quatro meses.
A escolha de alguem para Presidente de CE não tem sido feito de forma correcta. Obrigar um líder a romper um compromisso com um povo, por muito leal, competente e positivo que seja não é quanto a mim a melhor opção. António Guterres foi escolha imediata para o cargo, mas ele optou por não aceitar (bem para uns, mal para outros é certo - vistas as coisas hoje teria sido melhor que tivesse aceite: para o país e o projecto europeu...) No entanto, julgo que José Manuel Barroso será melhor presidente do CE que PM de Portugal. Pena é que a conjuntura política europeia não tenha permitido que outros português tenha ocupado esse cargo, e com toda a certeza com mais capacidade, dinamismo: António Vitorino.
Já referi mais de uma vez a minha desconfiança em José Sócrates. Também preferiria António Vitorino, mas parece que o homem, de reputação de extremamente competente, acaba por não ocupar os cargos que merece e que as pessoas queriam...
www.abrupto.blogspot.com
ReplyDelete11.11.04
EM VEZ DO ESTADO A PARÓQUIA
Os Conselhos de Ministros fora de Lisboa não são novidade. O actual governo tem-se especializado nesse tipo de reuniões, mas seria injusto atribuir-lhe apenas este tipo de práticas. A percursora foi a eng. Pintasilgo, mas muitos outros governos do PS e PSD também andaram em passeio pelo "interior". É uma maneira fácil de parecer que se faz alguma coisa sobre a parte mais deprimida do país e, face à indiferença da comunicação social nacional, sempre se pode obter algum interesse da regional. Em véspera de eleições autárquicas, tem também alguma utilidade.
Só que há mais outra coisa. Nota-se outra coisa: a dificuldade que tem o Primeiro-ministro em entender a governação acima do nível das autarquias, ao nível do Estado. Ele tem tendência para governar o país como se fosse o Presidente da Câmara de Portugal. Tem pouco interesse e conhecimento das matérias exclusivas do Estado, Negócios Estrangeiros, Defesa, Administração Interna, que deixa praticamente em autogestão aos respectivos ministros. Na macro-economia não se mete, o que faz bem. Na micro já não estou certo, porque a politização dos nossos negócios é enorme.
Sobra o que sobra: a gestão político-partidária a partir do estado, a propaganda, chamada “imagem”, matérias a que sabemos dedica grande atenção. E depois sobra aquele misto de governo paternalista, envolvendo clientelas e patrocinato, proximidade e festa popular, banda, majoretes e desfile dos bombeiros, inaugurações e foguetes, boletim com cem fotografias e cartazes de promessas, notáveis agradecidos e “sessões solenes”, que é tão típico da forma paroquial como são geridas as autarquias.
Apesar das nossas diferentes posições no espectro político, acabamos por, filtrando argumentos, afunilar nesta conclusão comum.
ReplyDeleteabraço
"(...) a causa da queda do Governo só tem um nome: Santana Lopes (e daí as culpas assacadas a Durão). Grande parte dos ministros deste Governo, se o primeiro-ministro fosse Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes, ou mesmo o agora execrado Dias Loureiro, poderiam fazer um governo "normal". E Arnaut não se pode fazer inénuo: sabe isto perfeitamente."
ReplyDeleteEduardo Prado Coelho
in "O Fio do Horizonte"
Público 21.12.2005