2007-04-28

Reino (des)Unido-II



Scotland, nação independente
No periodo do Império Romano a ilha designada como província da Britânia, a ocupação do território Scotia nunca conseguiria ser ocupada, perdida sempre em lutas contra os Caledónios. A fronteira constituída então pelo (ainda existente) Muro de Adriano (Imperador Romano entre 117-138 d.C) é semelhante à que subsiste até hoje. Orgulhosos da sua coragem, cultura e independência, os povos escoceses de tradição ancestral celta, foram criando uma sociedade única que prevalece no imaginário de todos até hoje. Os valores da bravura, da pertença ao Clã, do respeito aos Deuses, mais tarde ao Deus cristão, pouco se modificaram, nem mesmo quando da coexistência com bretões e normandos (franceses) e anglo-saxões, muito menos com os constantes invasores, primeiro os noruegueses (da cultura Viking) e os ingleses depois. O sentido de identidade escocesa ultrapassa em muito o tempo real do Reino da Escócia (Rioghachd na h-Alba, em gaélico escocês antigo), independente entre 843 e 1707. Com uma constituição sócio-política assente em clãs, cujos chefes formavam uma assembleia nacional que tinha poderes para eleger o Rei soberano entre a classe nobre. Mas a partir do séc. XI, com a influência crescente de populações vindas da Normandia, foi instituída a regra da sucessão tal como nos restantes reinos da Europa. A manutenção dos costumes celtas na governação ocorria a par das novas formas feudais da época, onde a assembleia dos clãs ainda não se pode considerar como um parlamento. Este apenas emergiu cerca de 1235, desenvolvendo-se um pouco à semelhança do Colloquiom - o original Parlamento inglês - tornando-se num fórum influente e com poder, especialmente entre 1639-51 e 1689-1707.

O primeiro grande período de perda de independência existiu no final do séc. XIII, quando se perdeu a sucessão do trono escocês. A intervenção do rei inglês Edward I estabeleceu na Escócia um soberano fantoche e uma ocupação que deu origem pouco depois à rebelião e às Guerras da Independência. A primeira grande afronta à identidade e orgulho escocesas será quando, na batalha de Dunbar em 1296, os ingleses roubam um importantíssimo símbolo nacional, a Pedra do Destino, onde os reis escoceses eram coroados (devolvido apenas em 1996).
Nas Guerras da Independência emergiram diversos líderes e heróis nacionais. William Wallace é o mais venerado na Escócia. A partir de um clã no meio da Escócia ocupada, uniu-se à rebelião e tornou-se no mais forte oponente a Edward I de Inglaterra, sendo vencedor em diversas lutas, particularmente na Batalha de Stirling Bridge em 1297. Mas a derrota em Falkirk no ano seguinte, que levou à sua captura, torná-lo-à ainda maior que a lenda heróica que era, num símbolo nacional maior, livre e bravo, martirizado em execução pública - atroz, cruel e "exemplar", apenas destinado aos traidores - em 1303. E também Robert Bruce, um nobre escocês que se unira à "Resistência" e liderara diversas lutas contra o invasor. Este tornar-se-ia rei em 1306, mas as lutas contra os ingleses e nobres escoceses leais ao Reino de Inglaterra perdurariam ainda até meados do séc. XIV.

Será posteriormente, entre os séculos XV e XVI, que haverá maior prosperidade e desenvolvimento social, económico e político na Escócia independente. A época do Renascimento permitiu o florescimento cultural e universitário, e também o surgimento de correntes cristãs reformistas protestantes que tornaram o país maioritariamente Calvinista.

Mas as novas conquistas, no séc.XVII, de expansão ultramarina nas Américas (Nova Escócia no Canadá, e o Panamá) trazem para o país grandeza, mas mais incertezas e falhanços, pela incapacidade de gestão de tão longínquos territórios, a insuficiente população, mas principalmente face à crescente hegemonia inglesa no contexto global.



A primeira aliança

Como se vê, a história deste território do norte da ilha britânica está cheia de heroísmos, batalhas, traições e outras histórias não menos gloriosas, trágicas ou famosas. Sempre cobiçada pelos reis ingleses do sul, o Reino da Escócia teve uma vida tão conturbada quanto Portugal face a Espanha. No entanto, apesar de eternos inimigos, escoceses e ingleses sempre tiveram laços comuns, entre eles a mais importante é a língua. O inglês antigo era falado por quase todos os cantos da ilha, em partilha com dialectos antigos de origem gaélica, especialmente em locais de Gales e da Escócia. Mas a fusão dos vários idiomas de tantos povos que habitaram ou passaram pela Britânia promoveram a evolução para uma língua comum. Tal como Fernando Pessoa dizia "a minha pátria é a minha língua", a expansão do inglês foi a também a expansão da identidade e do poder político a toda a ilha da Grã-Bretanha e mais tarde à Irlanda.
Com diversos interesses comuns para além da língua - o território, a economia, a expansão ultramarina nas Américas - a relação entre ambos teve a partir de 1603 uma inovação suis generis. Com a Union of the Crowns, tratado entre os dois reinos, criava-se uma ligação política estreita, onde basicamente se respeitavam as independências de cada Estado, mas cujo chefe máximo era único, ou seja o Rei era soberano tanto de Inglaterra como da Escócia, sendo até a bandeira dos dois países sido unificada, com a cruz de St Andrew combinada com a cruz de St George, embora apenas a partir de 1707 tenha sido adoptada de facto. Apesar de costumeiras intrigas e conspirações, desejos de retomar a independência total e extensos debates nos parlamentos, a união foi existindo ao longo de todo esse século, onde a mudança do mundo com as novas colónias era cada vez mais veloz.

Mas parte dos contornos políticos dos dois reinos também advém de diferentes orientações religiosas que foram tão divisórias como unificantes. A Inglaterra (Protestante) temia que a Escócia (Católica) pudesse unir-se ao arqui-inimigo França (aliás parceira antiga dos Highlanders), que poria em causa a linha sucessória ou a sua independência. Confirmado em tantos episódios como o famoso caso de Mary Queen of Scots, prima francesa de Elizabeth I (filha de Henrique VIII fundador da Igreja Anglicana), condenada à morte por conspiração contra o Estado em 1587. E entre 1688 e 1697 na Guerra da Grande Aliança, o movimento escocês Jacobita encontraria novamente na França um poderoso aliado.

O sucessor da Rainha "Virgem", dentro do Union of the Crowns Act, foi em 1603 o rei escocês James VI, que se tornava assim James I de Inglaterra. Contudo a sua relação com o Parlamento, nada pacífica - inclusivé com a histórica conspiração falhada de Guy Fawkes para explodir o Parlamento de Westminster, o chamado Gunpowder Plot - colocou o status quo político de Inglaterra sempre em confrontação contra o absolutismo do Rei. Que seria reconfirmado pela actuação do seu filho, Charles I, que acreditavam no direito divino enquanto soberano e desvalorizando o Parlamento e os direitos deste registado na inovadora Magna Carta de 1215 onde se reconhece que o Rei responde perante os súbditos e o Parlamento apenas. O sentimento anti-monárquico foi crescendo ao longo quatro décadas, o que por fim irrompeu numa trágica guerra civil entre Royalists (monárquicos) e Parliamentarians (republicanos). Em 1649 Charles I foi executado e foi declarada a República. Contudo, dada a insuficiente cultura republicana (como hoje o conhecemos) pelo Lord Protector Oliver Cromwell e o carácter tradicional e mais eficaz da triáde Rei-Casa dos Lordes-Casa dos Comuns, a monarquia foi restaurada em 1660, curiosamente através do próprio parlamento.
Foram tempos igualmente conturbados para a Escócia o chamado periodo do Protectorado. Cromwell entrarria em conflito aberto contra forças escocesas que haviam nomeado o filho do rei decapitado como sucessor soberano do reino. Com fim da Guerra Civil, fora a Escócia a grande oponente do domínio militar republicano sobre o seu território, e uma das primeiras bases do Royalists para derrotar Cromwell que iria falecer em 1658.

Um século XVII tão conturbado, lutas de poder, mudanças de regime político e revoluções várias (a última em 1688 que culminou na Carta de Direitos), intrigas e conspirações, as tragédias de Londres (a peste de 1665 e o Grande Incêndio de 1666), os movimentos da Contra-Reforma, guerras contra os franceses foi moldando sentimentos e orientações polítcas e económicas que determinariam os acontecimentos futuros, em especial no início do século seguinte.