A Final
O meu maior receio concretizou-se. Recordando de antemão que não é representativo de toda a população - obviamente é um voto militante e, sim talvez, de protesto por outro, algo que não aceito - o resultado é confrangedor e vergonhoso. Os ideais de democracia e liberdade não foram totalmente assimilados nesta parte de população? Entenderão a verdadeira vantagem do regime actual para o anterior?
Aristides de Sousa Mendes ficou muito bem classificado - por momentos pensei que vencesse - mas, pela segunda vez consecutiva - após o Pior Português de Sempre - o velho abutre venceu a "eleição". Estará ele confuso sobre como festejar esta vitória? Curioso é verificar que, em sondagens - cujo método é científico e mais representativo da sociedade portuguesa - é D. Afonso Henriques quem ganha, relegando a dupla Salazar-Cunhal para o meio ou fim da tabela. É esse o Portugal que se deseja, mas não é isso que transparece. O discurso inicial da RTP "voto dos portugueses" transformou-se na "escolha dos telespectadores" tão somente, para evitar a sensação virar feitiço contra o feiticeiro.
A vitória não deixa de ser sinónimo do momento em que estamos. Fosse este concurso há 10 anos atrás e o vencedor seria outro. Tempos dificeis atravessam o país há algum tempo, mas não podemos justificar um voto de protesto actual com o sinónimo "antes é que era bom". Falso. O Estado Novo - intromissivo, policial, anti-democrático, constrangedor, retrógado, hipócrita - é fruto de uma época de nacionalismos e fascismos que se prolongou no tempo pois os seus líderes para trás no tempo ficaram. Uma vez aprisonado Portugal vemos que este passatempo, como tanto referiu Maria Elisa ao longo da última emissão do programa, é simbolicamente e sociologiamente sintomático de como grande parte dos portugueses se encontram ainda aprisionados, na derrota da assimilação dos valores democráticos e de algumas das suas conquistas - que todos sabemos incompleto - o falhanço da Educação e do Civismo. Quando antes se vivia em maior paz e as exigências eram menores, prensadas pelo regime, onde ambição era sinónimo contrário aos "bons costumes", o mundo também era outro. O mundo mudou, e para nós a mudança aconteceu muito mais tarde que no resto da Europa. Décadas e séculos de democracia no Reino Unido, em França ou nos países Escandinavos, tornaram esses paises sempre muito melhores que este rectângulo luso. Sempre a contemporaniedade nos relegou para o fim do pelotão, e o Estado Novo é o último responsável disso. O facto de o ensino obrigatório ter sido reduzido de 4 para 3 anos somente é pedra angular do mal que ainda subsiste no país. À parte o negativismo dos seus anteriores regimes, os novos membros da UE ex-comunistas, são muito mais evoluídos educacional e culturalmente e isso é uma alavanca enorme, com resultados visíveis a cada ano, na supressão das dificuldades, na evolução e no desenvolvimento. O problema é que o português sempre foi amorfo, acordando e trabalhando mais nas horas de contra-relógio. O país sempre padeceu de ambição, de sede de conhecimento e valorização, basta vermos a expulsão dos melhores do reino no fim do século XV (os judeus) e no séc.XVIII (os jesuítas), a ignorância educacional da nobreza até o séc. XVIII, o desperdício no desenvolvimento das colónias (o esbanjamento do ouro e o tráfico de escravos). Os homens que foram contra esta maneira de ser, estranha, peculiar, estão presentes na lista final deste concurso. Foram eles os visionários e de mente ambiciosa e positiva para fazer e mudar Portugal. Salazar teve estas características de forma retrógada e negativa; Cunhal fazendo diferente não faria melhor. Os mitos destas duas faces da mesma moeda precisam de ser rompidos, mas os resultados obtidos domingo contrariam isso. Prolongam o efeito nefasto de ambos num Portugal que se pretende Europeu do séc.XXI. O problema é que se esqueceu - como sempre por cá - do passado. A memória curta deturpa. Um sinal de castigo para os políticos actuais com os 41% de Salazar é uma idiotice. O contra-voto em Cunhal não é mais que a contínua luta anti-fascista que nada traz de novo ao país. O ontem divido e pobre é que o fica deste concurso, não a glória ou a grandeza, a universalidade ou ambição, legados positivos para o futuro.
Outros resultados
Quem, de fora, for comparar os resultados de cá com o mesmo concurso nos EUA, no Reino Unido ou na França, espantar-se-à com o "regresso" do ditador. Pensarão eles que afinal não somos tão democráticos como parecemos? Curioso será verificar os resultados em Espanha: como se classificará o "Generalissmo" Franco?
Vejamos os resultados, curiosos, noutros países:
Reino Unido
1º Winston Churchill, 2º Isambard Kingdom Brunel [o Fontes Pereira de Melo britânico], 3º Diana, Princesa de Gales [a grande polémica de lá], 4º Charles Darwin, 5º William Shakespeare, 6º Isaac Newton, 7º Rainha Elizabeth I, 8º John Lennon, 9º Almirante Nelson, 10º Oliver Cromwell [a segunda polémica na BBC] [instituíu o Republicanismo no séc. XVII mas anti-democrático terminando com o Parlamentarismo, auto-intitulando-se Lord Protector, ditador vitalício, finalizando este periodo conturbado quando morreu em 1658]
Onde está a Rainha Victoria?
EUA
1º Ronald Reagan [ex-actor, 40º Presidente 1980-88], 2º Abraham Lincoln [16º Presidente 1861-65 aboliu a escravatura e enfrentou a Guerra da Secessão sendo assassinado], 3º Martin Luther King, Jr, 4º George Washington [fundador dos EUA, o 1º Presidente 1789-97], 5º Benjamin Franklin [co-fundador dos EUA], 6º George W Bush [porque foi no momento imediatamente pós-9/11], 7º Bill Clinton, 8º Elvis Presley, 9º Oprah Winfrey, 10º Franklin D. Roosevelt [32º Presidente 1933-45, autor do New Deal pós depressão 1929 e da transformação do país]
Onde está JFK e Thomas Jefferson [co-fundador dos EUA, 3º Presidente 1801-09 e autor da inovadora Constituição Americana]?
França
1º Charles de Gaulle, 2º Louis Pasteur, 3º Abbé Pierre, 4º Marie Curie, 5º Coluche [comediante], 6º Victor Hugo [escritor], 7º Bourvil [cantor e actor], 8º Molière [dramaturgo], 9º Jacques Yves Cousteau, 10º Edith Piaf
Alemanha
1º Konrad Adenauer [Chanceler 1949-63, liderou a nova Alemanha pós-2GM], 2º Martin Lutero, 3º Karl Marx [polémica], 4º Willy Brandt [Chanceler 1969-74], 5º Sophie e Hans Scholl [astrónomos e anti-nazis], 6º Bach, 7º Guttenberg, 8º Goethe, 9º Otto von Bismarck [unificador da Alemanha], 10º Albert Einstein
Conclusão
Como disse Eduardo Lourenço, este concurso nada vale, mas simbolicamente fica. Foram apenas 65 mil votos salazarentos, mas a imagem do país fica manchada, não há como evitá-lo. No momento em que se consegue finalmente conhecer e entender melhor a figura sinistra do velho, numa catarse finalmente saudável, o que menos se pretendia era sobrevalorizá-lo, jogando a sua identidade contra a democracia algo que sempre repudiou. Quando se festejam 50 anos do mais fascinante projecto político, a Europa - que Salazar rejeitou - é incrível como parte da população portuguesa assim se manifeste. Esperemos que daqui a 50 anos o país seja diferente de facto. Que termine a ânsia pelos homens providenciais e autoritários, e se manifeste no colectivo valores justos, democráticos e humanos como de Aristides de Sousa Mendes.
_
2007-03-25
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment