2007-07-13

Eu amei Lisboa como nunca tinha amado uma cidade

Eu amei-te como nunca amei outra. Foste uma amante louca que abandonei, mas cuja paixão perdura. Anos me levam que não te esquecerei. Sonhos me tragam até ti, que longe demais fujo sem razão para lugar nenhum.



O que queremos de facto, de bom, para as cidades? Como devemos vivê-las? Qual o futuro sustentável para todos aqueles que trabalham e habitam a urbe? Nos últimos anos estas e outras questões estiveram sempre longe da cabeça e das acções de quem governou Lisboa. E se pensarmos bem, a gravidade da presente situação é "apenas" mais um capítulo do desrespeito da cidadania em todos os aspectos da sua razão etimológica e da actualidade da sua importância.

Veículos e betão têm dominado a cena lisboeta, denegrindo a sua qualidade de vida, a sua sustentabilidade, a sua imagem, ao que se ligam uma gestão ruinosa e uma crescente falta de ética e cidadania. Entre 1994 e 1999 vivi numa Lisboa excitante, dinâmica, sedutora (os tempos de estudante universitário permitiam diversos modos de viver e sentir a cidade), mas não sem os seus problemas e pontos negativos. Tendo a sorte de viver mesmo no centro, a confusão diária era suportável e até mesmo curiosa para quem havia vivido a infância em Londres e depois na imensa pacataz de uma cidade como Caldas da Rainha. A descoberta de uma cidade única, linda e luminosa, com um imenso potencial de desenvolvimento foi sempre, depois de partir, uma das melhores recordações que ficaram. Temos as cidades-desejo e as cidades-paixão e, as cidades-ódio e as cidades-desprezo. Lisboa tem na última década atravessado todas estas designações, e ela não merece isto. Eu amei Lisboa como nunca tinha amado uma cidade, e quero continuar a amá-la e pensar que melhores dias virão. Assim como não merece a barreira que é a APL. Lisboa está bloqueada a partir do rio que é seu. Arrogantemente, esta estranha empresa pública mas de peculiar autonomia, é como um município dentro de um município. Há anos ouço tantos contra o Porto de Lisboa e nenhuns para resolver o assunto.

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Todos sabemos o que se passou. Culpamos Santana e Carmona, mas também deveremos responsabilizar outros presentes na Câmara que em nada contribuíram para encontrar soluções ou somente desafiar o desvario. Restou-nos José Sá Fernandes, cavaleiro solitário (pela) da cidade, o único que soube, desde sempre, mesmo antes de ser vereador, ter uma posição e atitude clara em favor da capital e dos lisboetas.

É com incredulidade que vejo como a vitimização santanista fez escola e como isso está inacreditavelmente a render votos. Vejam-se as sondagens. O ex-Presidente Carmona Rodrigues é o (último) principal responsável pelo estado que chegou Lisboa, e considero uma enorme lata a sua recandidatura, alicerçada num projecto independente, como se isso fosse factor que o ilibe de tudo o que de errado aconteceu, em desvínculo ao partido que o apoiou como se de lá tivesse vindo todo o mal para uma correcta governação da cidade. Assim como é absolutamente inverosímel a candidatura PSD, em que Fernando Negrão surge como um salvador judiciário, igualmente longe das actividades que o seu partido teve ao longo de seis anos.

Desconfiança, embora desejo de vitória sobre o PSD e Carmona, é o que sinto da candidatura de António Costa. O PS procurou claramente meter as mãos no assunto de modo a terminar de vez com a errática liderança da cidade. E é disto que mais se ouve falar do ex-ministro - liderança. Tem toda a razão, terá de haver uma liderança clara e objectiva na câmara, e António Costa é homem para isso. Mas não haverá liderança sem um projecto exequível e verdadeiramente centrado em Lisboa, por Lisboa, para Lisboa. No fim de contas o que precisamos é de um Projecto, mas um bom projecto. Tirar o aeroporto da Portela (uma discussão imensa que não vou agora ter) é o primeiro ponto para eliminar esse ideal. O trunfo poderá ser o arquitecto Manuel Salgado, pois para além dos enormes problemas financeiros e administrativos da capital, há o factor urbanismo que importa dedicar especial atenção, outro factor que tanto influencia todos aqueles que por Lisboa passam.

E daí chego à candidatura de Helena Roseta. Vivesse eu em Lisboa e seria nela o meu voto. Porquê? Para além da personalidade idealista e combativa que possui e que sempre admirei, para além de ser Presidente da Ordem dos Arquitectos - onde a sua liderança deu outra visibilidade, respeito e importância à profissão - Helena Roseta tem ideias e projectos que concordo e partilho. Lisboa precisa de um projecto de intervenção imediata para estes curtos dois anos, planos objectivos e concretizadores para resolver pequenos grandes enfermidades que grassam pela capital. Mas também pelo ideal de mobilização e de cidadania, características novas para a política e igualmente para a sociedade. Lisboa precisa dos novos conceitos de urbanismo e convivência, espaços públicos e espaços verdes para todos e para a cidade. Lisboa precisa de qualidade de vida. Lisboa precisa de pessoas que a habitem.



A reabilitação da cidade como um todo passa por novas políticas de habitação, mais expeditas e inclusivas. Reabilitar e rehabitar as dezenas de milhares de fogos vazios em Lisboa é uma prioridade absoluta. Mais do que de grandes bairros novos, a cidade precisa de "acupunctura urbana", ou seja, de intervenções pequenas e estratégicas.

Lisboa precisa de um projecto que a reabilite urbanamente e socialmente devolvendo aos munícipes o uso e fruição do espaço público aprazível e convidativo. A gestão urbanística tem de deixar de se subordinar aos interesse privados de alguns e passar a ser determinada pelo interesse comum e pela transparência de procedimentos e decisões.

Assim como a qualidade da vida urbana está cada vez mais ligada às oportunidades de desenvolvimento educativo e social que a cidade oferece aos seus habitantes. De certo modo, o novo modelo social europeu tem de se refundar à escala da cidade.

Lisboa precisa de um quotidiano mais fácil, onde os transportes públicos sejam mais acessíveis e eficientes, onde as pessoas com deficiência não sejam cidadãos de segunda, onde haja tempo e lugar para a vida familiar e para os amigos, onde haja menor solidão e onde seja agradável viver e conviver não é uma utopia.

As cidades que têm sucesso no contexto da globalização são as que tiram partido da sua história, do seu património, da vitalidade da sua cultura e se abrem à inovação científica, tecnológica, empresarial e social.

Lisboa urge possuir medidas necessárias para melhorar a qualidade ambiental de Lisboa, tendo em conta o conceito actual de sustentabilidade urbana, que envolve o ambiente, a qualidade de vida, a eficiência económica e a cidadania.

A participação está na ordem do dia. Os sistemas de governo local têm de incorporar a noção de governança, sinónimo de bom governo com o envolvimento dos interessados. Os métodos participativos têm de estar presentes em todas as fases do governo local. A descentralização para as freguesias é indissociável da participação.

Os novos desafios que se colocam a Lisboa exigem uma maior eficiência dos seus serviços municipais, o que implica processos de modernização, mobilização e racionalização de recursos humanos e técnicos que são urgentes. A mudança passa inevitavelmente por aqui.

Lisboa mudou. Mudaram os hábitos e ritmos de vida. Mudaram as redes de relações e os padrões familiares. Os novos lisboetas que nos demandam trazem consigo novas visões e novos problemas. É uma oportunidade histórica para uma cidade que está em perda demográfica.