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O que queremos de facto, de bom, para as cidades? Como devemos vivê-las? Qual o futuro sustentável para todos aqueles que trabalham e habitam a urbe? Nos últimos anos estas e outras questões estiveram sempre longe da cabeça e das acções de quem governou Lisboa. E se pensarmos bem, a gravidade da presente situação é "apenas" mais um capítulo do desrespeito da cidadania em todos os aspectos da sua razão etimológica e da actualidade da sua importância.
Veículos e betão têm dominado a cena lisboeta, denegrindo a sua qualidade de vida, a sua sustentabilidade, a sua imagem, ao que se ligam uma gestão ruinosa e uma crescente falta de ética e cidadania. Entre 1994 e 1999 vivi numa Lisboa excitante, dinâmica, sedutora (os tempos de estudante universitário permitiam diversos modos de viver e sentir a cidade), mas não sem os seus problemas e pontos negativos. Tendo a sorte de viver mesmo no centro, a confusão diária era suportável e até mesmo curiosa para quem havia vivido a infância em Londres e depois na imensa pacataz de uma cidade como Caldas da Rainha. A descoberta de uma cidade única, linda e luminosa, com um imenso potencial de desenvolvimento foi sempre, depois de partir, uma das melhores recordações que ficaram. Temos as cidades-desejo e as cidades-paixão e, as cidades-ódio e as cidades-desprezo. Lisboa tem na última década atravessado todas estas designações, e ela não merece isto. Eu amei Lisboa como nunca tinha amado uma cidade, e quero continuar a amá-la e pensar que melhores dias virão. Assim como não merece a barreira que é a APL. Lisboa está bloqueada a partir do rio que é seu. Arrogantemente, esta estranha empresa pública mas de peculiar autonomia, é como um município dentro de um município. Há anos ouço tantos contra o Porto de Lisboa e nenhuns para resolver o assunto.
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Todos sabemos o que se passou. Culpamos Santana e Carmona, mas também deveremos responsabilizar outros presentes na Câmara que em nada contribuíram para encontrar soluções ou somente desafiar o desvario. Restou-nos José Sá Fernandes, cavaleiro solitário (pela) da cidade, o único que soube, desde sempre, mesmo antes de ser vereador, ter uma posição e atitude clara em favor da capital e dos lisboetas.
É com incredulidade que vejo como a vitimização santanista fez escola e como isso está inacreditavelmente a render votos. Vejam-se as sondagens. O ex-Presidente Carmona Rodrigues é o (último) principal responsável pelo estado que chegou Lisboa, e considero uma enorme lata a sua recandidatura, alicerçada num projecto independente, como se isso fosse factor que o ilibe de tudo o que de errado aconteceu, em desvínculo ao partido que o apoiou como se de lá tivesse vindo todo o mal para uma correcta governação da cidade. Assim como é absolutamente inverosímel a candidatura PSD, em que Fernando Negrão surge como um salvador judiciário, igualmente longe das actividades que o seu partido teve ao longo de seis anos.
Desconfiança, embora desejo de vitória sobre o PSD e Carmona, é o que sinto da candidatura de António Costa. O PS procurou claramente meter as mãos no assunto de modo a terminar de vez com a errática liderança da cidade. E é disto que mais se ouve falar do ex-ministro - liderança. Tem toda a razão, terá de haver uma liderança clara e objectiva na câmara, e António Costa é homem para isso. Mas não haverá liderança sem um projecto exequível e verdadeiramente centrado em Lisboa, por Lisboa, para Lisboa. No fim de contas o que precisamos é de um Projecto, mas um bom projecto. Tirar o aeroporto da Portela (uma discussão imensa que não vou agora ter) é o primeiro ponto para eliminar esse ideal. O trunfo poderá ser o arquitecto Manuel Salgado, pois para além dos enormes problemas financeiros e administrativos da capital, há o factor urbanismo que importa dedicar especial atenção, outro factor que tanto influencia todos aqueles que por Lisboa passam.
E daí chego à candidatura de Helena Roseta. Vivesse eu em Lisboa e seria nela o meu voto. Porquê? Para além da personalidade idealista e combativa que possui e que sempre admirei, para além de ser Presidente da Ordem dos Arquitectos - onde a sua liderança deu outra visibilidade, respeito e importância à profissão - Helena Roseta tem ideias e projectos que concordo e partilho. Lisboa precisa de um projecto de intervenção imediata para estes curtos dois anos, planos objectivos e concretizadores para resolver pequenos grandes enfermidades que grassam pela capital. Mas também pelo ideal de mobilização e de cidadania, características novas para a política e igualmente para a sociedade. Lisboa precisa dos novos conceitos de urbanismo e convivência, espaços públicos e espaços verdes para todos e para a cidade. Lisboa precisa de qualidade de vida. Lisboa precisa de pessoas que a habitem.
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A reabilitação da cidade como um todo passa por novas políticas de habitação, mais expeditas e inclusivas. Reabilitar e rehabitar as dezenas de milhares de fogos vazios em Lisboa é uma prioridade absoluta. Mais do que de grandes bairros novos, a cidade precisa de "acupunctura urbana", ou seja, de intervenções pequenas e estratégicas.
Lisboa precisa de um projecto que a reabilite urbanamente e socialmente devolvendo aos munícipes o uso e fruição do espaço público aprazível e convidativo. A gestão urbanística tem de deixar de se subordinar aos interesse privados de alguns e passar a ser determinada pelo interesse comum e pela transparência de procedimentos e decisões.
Assim como a qualidade da vida urbana está cada vez mais ligada às oportunidades de desenvolvimento educativo e social que a cidade oferece aos seus habitantes. De certo modo, o novo modelo social europeu tem de se refundar à escala da cidade.
Lisboa precisa de um quotidiano mais fácil, onde os transportes públicos sejam mais acessíveis e eficientes, onde as pessoas com deficiência não sejam cidadãos de segunda, onde haja tempo e lugar para a vida familiar e para os amigos, onde haja menor solidão e onde seja agradável viver e conviver não é uma utopia.
As cidades que têm sucesso no contexto da globalização são as que tiram partido da sua história, do seu património, da vitalidade da sua cultura e se abrem à inovação científica, tecnológica, empresarial e social.
Lisboa urge possuir medidas necessárias para melhorar a qualidade ambiental de Lisboa, tendo em conta o conceito actual de sustentabilidade urbana, que envolve o ambiente, a qualidade de vida, a eficiência económica e a cidadania.
A participação está na ordem do dia. Os sistemas de governo local têm de incorporar a noção de governança, sinónimo de bom governo com o envolvimento dos interessados. Os métodos participativos têm de estar presentes em todas as fases do governo local. A descentralização para as freguesias é indissociável da participação.
Os novos desafios que se colocam a Lisboa exigem uma maior eficiência dos seus serviços municipais, o que implica processos de modernização, mobilização e racionalização de recursos humanos e técnicos que são urgentes. A mudança passa inevitavelmente por aqui.
Lisboa mudou. Mudaram os hábitos e ritmos de vida. Mudaram as redes de relações e os padrões familiares. Os novos lisboetas que nos demandam trazem consigo novas visões e novos problemas. É uma oportunidade histórica para uma cidade que está em perda demográfica.