Há vozes que nos tocam bem fundo. Há sons que nos fazem sentir entorpecidos.
E quando ambos se fundem? É o caso, para mim, de Cristina Branco. Mais uma das belas meninas do fado "novo", que mais sucesso faz no estrangeiro que em casa. Já editou seis albuns, canta fado de uma forma diferente - mais sensual, mais intelectual, menos rígido, mais canção. Mas os sons da guitarra estão lá. E os textos são das mais variadas proveniências, tal como a seguir se vê. Retirados do último álbum "Sensus", são de uma riqueza verbal extraordinária e, cantadas tornam-se soberbas.
"Assim que te despes"
in "Corpo iluminado XX"
David Mourão-Ferreira
Assim que te despes
As próprias cortinas
Ficam boquiabertas
Sobre a luz do dia
Os teus olhos pedem
Mas a boca exige
Que te inunde as pernas
Toda a luz do dia
Até o teu sexo
Que negro cintila
Mais e mais desperta
Para a luz do dia
E a noite percebe
Ao ver-te despido
O grande mistério
Que há na luz do dia
"Soneto de separação"
Vinicius de Moraes
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
"O meu amor"
Chico Buarque
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele fica toda arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai
Eu sou sua menina, viu?
Ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita, ai
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se fosse a sua casa, ai
Eu sou sua menina, viu?
Ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz
2004-06-04
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adorei a escolha de poemas, especialmente o do Vinicius que é dos meus preferidos.
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