2011-01-26

Reflexão pós-presidencial

1.
Portugal encavacou-se. Rejeitou uma proposta alegre. Não assumiu uma alternativa nobre. Tolerou (mais) um xico comunista. Engraçou-se com um coelho atrevido à moda da Madeira. Desprezou um defensor de nada para além de si próprio.
O país aprofundou a distância à política. Aumentou o desprezo aos políticos. Definiu-os longe da vista e longe do coração.
Os níveis de abstenção constragem. A não-participação do eleitorado tem várias culpas por distribuir, sendo a primeira dos próprios políticos e do sistema político vigente.
O aumento da quantidade de votos em branco (191.159) é um prenúncio objectivo de um protesto claro que parece finalmente modificar, ao olhos de cada vez mais gente, a real importância política de tal acção.

Este desfasamento crescente poderia ter tido um primeiro combate no discurso de vitória.
Mas não teve.
Assistimos porém, à prova oral de um presidente que de alegre e nobre nada possui. Perdidas duas excelentes oportunidades para ser inspirador, positivo, magnânimo até, mas foram substituídas por palavras de rancor e azedume, negatividade e vitimização, demagogia e populismo barato. Cavaco Silva pode oficialmente ser o Presidente de Portugal, mas não é decidamente - quer pelos votos (apenas 2,2 milhões) quer pelo conteudo demonstrado - o presidente de todos os portugueses. Esperará ele pela tomada de posse para comunicar esperança e mobilização? Conseguirá ele, lesado que está pelas polémicas recentes, um capital de confiança nacional que o país carece? A vir, que duvido, virá tarde e de forma inconsequente. Cavaco Silva é o prolongamento institucional da (podre) estabilidade vigente, mas promoveu a divisão e o afastamento, quando Portugal precisa do contrário.

2.
Tudo continuará num marasmo hipócrita. O país permanecerá encerrado em incertezas do tamanho de um rectângulo de 92 mil km2. Apesar da luta, do altruísmo e do estoicismo de muitos portugueses, o país prossegue, hoje como ontem, num caminho de cabras ladeado de campos abandonados e florestas disformes, sem meta e sem rumo, à espera de uma qualquer queda fatal. Somos um navio ancorado com correntes corrompidas, preso a equívocos, incapaz de flutuar pelos buracos no casco. O que nos impede de renovar, regenerar e partir de novo são as mesmas nulas políticas sem ideias que ano após ano nos cobrem de uma imobilizadora camada de ferrugem e fungo, diminuindo a energia individual e a beleza identitária colectiva de uma nação única.

3.
Mas estas eleições provaram que certas derrotas, também expectáveis, serão plataforma adequada para repensar estratégias. A (real) consequência delas estará por vir.
O resultado eleitoral de Manuel Alegre provou a essência de um candidatura construída de forma errada.

4.
A independência de Fernando Nobre foi a segunda grande vitória. A candidatura de uma alternativa da cidadania e da ética tiveram uma expressão contundente, com potencial de crescimento na proporção futura do descontamento e das propostas inteligentes e mobilizadoras que se apresentarem. Fernando Nobre foi um rosto livre de que a urgência de mudar o estado das coisas multiplica a vontade de participar.


5.
O caminho seguinte é provar que as ideias e a seriedade para mudar o sistema actual têm força suficiente para melhorar Portugal. As etapas do futuro próximo serão intervir e abrir o corpo à luta. Lançar ideias e propôr as mudanças. Debater alternativas e agir para melhorar.

Os valores e os princípios de liberdade, fraternidade, igualdade e justiça não podem sucumbir perante a passividade ou na falsa expectativa num sistema que já não corresponde à realidade e não responde aos desafios actuais.
Tal como o Presidente Barack Obama disse ontem no Discurso do Estado da União: "O futuro é nosso para vencer. Mas para lá chegar, não podemos ficar parados".
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