Esta campanha eleitoral não ficará para a história. Um presidente-candidato que nada comenta e cinco opositores que barafustam. Pairou um conclave sobre o BPN, a crise e o FMI primeiro, e depois, entre disparates, enganos e parangonas paternalistas ignoraram-se eventuais ideias, perdendo-se oportunidades de discussão entre brumas mediáticas sem conteudo relevante.
A cumprir-se o resultado das sondagens, domingo não passará de um mero acto referendário. Contudo, a haver segunda volta, tudo mudará. E é aí que o desafio existe. Difícil sim, ainda para mais quando PR e Governo, por "tradição" da democracia portuguesa, são contrapoder um do outro. Mas qualquer que seja o vencedor, poderá o Presidente da República funcionar, em concreto, como um contrapoder?
A dictomia política esquerda-direita, ao contrário do que muitos afirmam, não morreu. A sanidade do confronto ideológico e democrático viverá enquanto visões diferentes e alternativas da realidade coexistirem na sociedade. O problema surge quando a Esquerda incorre no habitual erro da multiplicação de candidaturas, fugindo a um denomindador comum, perdendo capacidades afirmativas (ao contrário da Direita) para definir um elemento federador da pluralidade deste campo político. Uma hipótese vencedora é substituída por redutoras vitórias de Pirro, algumas tão narcísicas quanto ridículas. O pragmatismo perde lugar para a demagogia. O ruído dos candidatos dá lugar ao silêncio dos eleitores. Fica tudo à espera de ganhar o seu quinhão, na esperança (vã) de forçar uma segunda volta, aí sim "federadora".
Repugna-me um pouco o voto para aumentar quotas de possibilidades. O voto no menos mau pode ser solução atraente, mas carece sempre de verdade e falta de livre escolha.
Cabe decidir em consciência, em liberdade. Agir por aquilo em que acreditamos, pelas nossas convicções. Tomar uma posição e uma acção responsável pela nossa escolha, no respeito da nossa integridade individual, e pela ideia de país e de futuro.
No fundo, para o PS de Sócrates até é preferível que ganhe Cavaco, pois Alegre, seria uma pedra no seu sapato. Este governo cairá mais cedo ou mais tarde e o próximo PM será Pedro Passos Coelho, pelo que o aspecto de um contrapoder, seja Cavaco ou Alegre, funcionaria de modos muito diversos.
Estas eleições são mais importantes que aparentam. O que nos comprime continuará a intensificar-se na segunda-feira, e no futuro próximo alterações sociais e políticas são expectáveis. Com isso em vista, o que o país precisa em Belém, afugentando-me o máximo dos clichés, é isenção, imparcialidade, integridade. A questão fundamenta-se em quem poderá corresponder, neste contexto, para além disso.
Porque um Presidente não pode ser vulnerável, mudo, discreto. Um Presidente não deve ser serôdio, inconsequente, falso.
O mais alto magistrado da nação deve ir além da razão e do pragmatismo.
O Presidente da República deve ser inspirador, enérgico, convicto, dialogante, livre, humanista. Um PR não deverá cruzar os braços face à (in)justiça, à errância, ao desvario. O Presidente deve apelar à cidadania, ao sentido de dever e comunidade, devolver a esperança e mobilizar para o futuro. Promover o patriotismo e a identidade. O Presidente da República deve defender o bem comum, a democracia universalista, promover a ética social e política.
Porque manter as coisas como estão na esperança que algo aconteça é um engodo.
Mudar por mudar não é opção.
Mesmo que não saia vencedor (desta vez), é preciso acreditar numa visão de futuro.
Escolher pela mudança é uma acção estratégica.
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O sábado de reflexão funcionou.
Pela cidadania, pela diferença, pelo desafio, pela mudança.
Voto
Fernando Nobre.
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