2010-04-20

O princípio da infelicidade

"A infelicidade tem a sua melhor definição na diferença
entre as nossas capacidades e as nossas expectativas"
Edward Bono

A minha postura de paixão nunca foi em momento algum de ferrenhice, histeria, intolerância, omnipresença. De tal modo que muitos julgam até que não aprecio futebol. Muito pelo contrário. O futebol foi desde pequeno uma oportunidade ímpar para o espírito de equipa, o partilhar de alegrias, o entusiamo do jogo bonito, a regra do fair play. E é por aí que desde os primeiros tempos de adepto do Liverpool vencedor da década de 70, passando pelo Mundial de 82 em Espanha, e todos os campeonatos da UEFA e FIFA seguintes, a adesão às cores sportinguistas, a empatia pelo Boavista e pelo Braga, a redescoberta das raízes pelo Chelsea (via Mourinho), a paixão eterna pelo Barcelona (via Figo), o encantamento por Cantona, Rui Costa, Figo, Raul, Zidane, Paolo Maldini, Davids, Van Basten, Klinsman, Beckham, Ryan Giggs, Drogba, Cristiano, Puyol, Xavi, Messi demonstram sempre a beleza deste desporto. Não sou um Luis Freitas Lobo (admirável) nem um exaltado treinador de bancada. Sem exuberância mas com descrição observo o futebol sem ler os jornais desportivos, estando mais a par das ligas inglesa e espanhola que da portuguesa pela qualidade inequívoca dos primeiros, e futebol visto na TV cinge-se a isso mesmo - pela qualidade - da Champions e Europa League, dos Campeonatos da Europa e do Mundo.

Contudo existem elementos vários que o conseguem ridicularizar e que no mínimo merecem que sejam ignorados, desprezados. Isto porque o presidente do Sporting, o meu clube, tem a proximidade com o ridículo em vezes demasiadas quando emite opiniões deveras originais e únicas, tal como aconteceu com esta:
"Quando alguma sportinguista tiver a infelicidade de se casar com um benfiquista, tem o dever de fazer com que o filho continue a ser sportinguista. Este trabalho de sapa nas famílias é fundamental e as mulheres têm um papel decisivo na orientação da vida das crianças".
É de fugir! Não bastava o Sporting estar como está, muito por culpa deste senhor, vem agora com tiradas que roçam a intolerância e o desprezível, provando mais uma vez a falta de qualidade argumentativa de muitos dirigentes desportivos nacionais. O futebol deve ser falado e vivido na sua raiz, ou seja, pelo que sucede no campo com a bola, a beleza e a estratégia do jogo é que devem ser enaltecidos como argumentos primordiais da sua essência desportiva. O protagonismo deverá somente pertencer aos jogadores e à bola.
Claro que um clube apenas vive se tiver adeptos, mas este conselho como condicionante sine qua non é tão tola como intromissiva. Os bons valores que cada pai e mãe defendem serão transmitidos com base na honestidade e no respeito, não na exigência sem alternativa. Se para muitos o futebol é uma religião a sua perpetuação não deverá basear-se numa entronização unívoca e bacoca. A realidade vive de alternativas e opções, as nossas decisões devem estar mais condicionadas ao livre arbítrio e menos ao caminho único. Também a partir de casa a verdade desportiva deverá ter lugar, a paixão clubística terá sempre de possuir o respeito pela diferença e pelos outros. Se queremos cidadãos exemplares não o teremos sem adeptos exemplares.

Não nego o sportinguismo e labor profissional do senhor Bettencourt, mas desde que se tornou o líder do clube nunca o Sporting no seu todo viveu tantas trapalhadas e incoerências.
Infelicidade é ter um presidente que diz coisas destas.
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