Durante 48 anos Portugal foi sobrevivendo dogmatizado na Ditadura. Uma madrugada de Abril desbloqueou o país para implentar uma visão disruptiva e no regresso "ao fórum das nações livres e amantes da paz" tomando como deslumbrante lema "Democratizar, Descolonizar, Desenvolver". Entrou depois num processo que quase provocou o descalabro, mas os desafios que enfrentou permitiram devolver esperança e dinamismo para um futuro decente.
De muitas denominações iniciadas por D se pode caracterizar Portugal.
Ao longo de 36 anos vimos crescer um país novo, assumindo-se moderno e europeu, com capacidades e competitividades diversas. Mas pouco a pouco descobrimos (o que quisémos esconder) um país que se sustentou no engano da sua real dimensão, na demagogia da sua doutrina, no desencontro do seu desígnio. Sem um qualquer deus Atlas para suportar o peso da desigualdade sócio-económica e o volume da sua desarticulação territorial desde a Revolução Industrial (estações ferroviárias fora dos centros das cidades como exemplo maior), Portugal é tão claramente um país desestruturado e desequilibrado não muito diferente do retratado por Eça, Bordalo ou Antero - que mais de cem anos depois até arrepia.
Portugal sofre cíclicos episódios de demência e depressão.
Portugal é bipolar.
O descrédito político que não cessa. Dou como exemplo a condição da deputada Inês de Medeiros. Será ética e moralmente justo que cada deputado tenha direito a outras remunerações quando já auferem um salário de €3815,17, constituído a partir de dinheiro de todos os contribuintes? Se nivelássemos todos os salários por este princípio onde iriam as empresas encontrar dinheiro extra tendo em conta as condições reais do mercado?
A delirante decisão no caso Domingos Névoa - Sá Fernandes, que delapida o pouco que restava da confiança na justiça ao limpar o corruptor e criminalizar o corrumpido.
O desastre diário que se tornaram as contas públicas e o perturbante drama que descodifica na essência o desacerto de um sistema global que ameaça despedaçar mais vidas e países à (má) fé de depreciativas e desprezíveis movimentações que nos escapam ao entendimento e controlo.
E agora a decisão de prosseguir com o TGV e o novo aeroporto mesmo nesta fase revela a manutenção de um caminho irresponsável por parte de um Governo errado e erróneo, com dificuldade em discernir soluções alteradoras para um país à beira de um ataque de nervos colectivo que poderá (e talvez deveria) suceder para forçar à mudança para acções concretas e decisivas.
Delegamos em pessoas (supostamente) habilitadas o ofício de gerir bens e Estados, e o que vemos são desbundas crescentes de políticas de casino e interesses individuais de curto prazo com tal distorção da verdade e justeza que assusta. O cidadão comum que honra o seu trabalho e o seu esforço, que se sacrifica, não consegue entender toda esta confusão e não encontra razões para sofrer por decisões infundadas, mal calculadas, interesseiras, narcísicas, diletantes e dolosas.
Não entendo nada de contas. Mas eu não contribuí para esta situação. Tenho um só crédito (habitação), temos o mínimo de gastos extraordinários; suportamos despesas para equilibrar doença crónica; eu muito gostaria de ter um iPhone, eu bem necessitaria ter um computador novo. Mas sei demasiadas vezes como é o salário definhar antes do meio do mês. O risco é diário e dificuldades destas muitos portugueses enfrentam.
A gravidade da actual situação é desconcertante e muitos só agora estão a sair da fase de negação. Mas igualmente mau são aqueles que na fase de aceitação se conformam e não avançam para a etapa seguinte. Pior entre estes são os muitos que se vêem impedidos de sair, sem meios. Sobrevivem um mês de cada vez, uma semana de cada vez, um dia de cada vez. A questão é que não chegámos ainda à fase determinante, ou seja, enfrentar, agir, reagir. Resta-nos esperar que a Lei de Murphy não se aplique e nos mergulhe de novo na incredulidade e desespero.
Estes dias de Abril trouxeram definitivamente novos "D" - são o desnorte, a descrença, a dívida, o desemprego, a desilusão. Enquanto não se definir um novo rumo, construir novos paradigmas, permaneceremos aprisionados a uma diálise inútil sem qualquer vislumbre de melhorar.
Assaltam-nos dúvidas quanto ao presente e ao futuro, quanto à decência que escasseia, quanto ao desmaio dos ideais que deveriam reger o mundo.
Vivemos um momento invulgar, atravessamos um periodo de crise gritante, não só económica e social, mas acima de tudo de crenças e valores. O caminho que todo o planeta toma de seguida ditará a sua transformação, seja ela qual for.
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