É público que não havia muita simpatia nos bastidores. Era privado o nível de tensão e desconfiança. Os recentes episódios na pré-campanha e a uma semana das eleições sobre um assunto estranho - mas grave - quem quer que tenha mentido ou feito o quê (escutar, espiar, fingir), entraram via TV com uma declaração de guerra em directo.
O Presidente da República finalmente falou. E não disse nada. Ou melhor, por entrelinhas. Como é seu hábito colocou no espaço público uma guerrilha que era privada. Ouvi o discurso duas vezes. Li-o duas vezes. A narrativa cavaquista é cheia de floreados e dissimulações, onde recados e acusações soam tão graves como a sua defesa é fraca e tardia. Acredito que a maioria da população não entende o que se está a passar. A discrição que define o PR desvaneceu-se porque foi "forçado". O contra-ataque do PS é o reconhecimento de que algo vai mal nesta República.No ano passado o discurso à Nação sobre o Estatuto dos Açores, por muita razão que a sua argumentação teve face à diminuição dos poderes do Presidente, deixou a todos uma sensação, como hoje, de não entender bem qual a confusão.
A tão propalada "cooperação estratégica" acabou aí.
Cavaco Silva é sério, honrado, escrupuloso, mas não é claro no que diz nem no que deixa transparecer. O nível de confronto subiu a tal ponto que não mais podia esconder. Acontece sendo um momento tão delicado, se isto não desanuviar os próximos tempos não serão bonitos. O caso é grave e o Presidente caiu na armadilha que durante anos desprezou e fugiu enquanto pôde - o embate entre Presidência e Governo. Os anos com Soares ficaram-lhe atravessados na garganta e parece que agora o fazem engasgar-se de novo, mas sem o tacto político do "velho".
A clarificação do que se passou de facto é urgente. É preciso que seja dita a verdade. Mas será que saberemos? Todos agiram mal. Uns por iniciarem a confusão, outros por a instigarem. Demasiados erros éticos foram cometidos. O aliciante desta situação é que gostando todos de uma boa intriga, o pior é que pode colocar em risco a estabilidade presente e abrir incertezas que não necessitaríamos.
Porque até agora parece uma zanga de comadres ou um arrufo de putos.
(Título deste texto a partir do fantástico filme "Secrets and Lies" de Mike Leigh)
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