2009-09-07

um jogo-metáfora


Dinamarca 1 - Portugal 1 (Foto Bob Strong/Reuters)


Há momentos assim. Onde o trabalho não é compensado com resultados. Quando os objectivos não se atingem para poder mudar as coisas. Imagens metafóricas de uma realidade mais vasta que se imagina. Na verdade, o jogo de Portugal em Copenhaga frente à Dinamarca, demonstrou-se como uma metáfora, cruel e sistémica do país que somos. Um esforço colectivo de (quase) última hora, jogo bonito e tentativas constantes mas falhadas (34 remates para 1 golo de empate), mudanças de rumo incompreensíveis (sai o Tiago?!), perder a cabeça quando inteligência urge, socorrer-se de gente de fora (Liedson) para salvar a honra.

Organização, trabalho e eficácia nem sempre jogam na mesma equipa, ou pelo menos, ao mesmo tempo. E isto vislumbra-se tanto no futebol como no país. Quando é preciso ganhar falha sempre qualquer coisa, e culpar as arbitragens não é desculpa aceitável para quem o principal trabalho não tem evidenciado rendimento necessário para ultrapassar as adversidades. Seja na selecção, seja nos clubes. Impedir que contrariedades façam desabar tudo como um baralho de cartas é trabalho de seleccionador, de estrutura, de treino, de cabeça. E jogar bonito não faz vencer jogos, golos sim. O que falta a Portugal é acreditar. Não somente que é capaz de vencer - tem jogadores para isso. Mas que vai vencer. Falta espírito vencedor em doses maiores.


Não entendo nada de tácticas, nem de posições ideais, mas sei que um jogo de futebol tem técnica e tem magia. E tem narrativa. Aliás, como um filme, ou géneros de filmes, vários tipos de estruturas narrativas. Documental, trágico, cómico, épico. Ao longo das partidas podemos compreender como é o enredo e qual poderá ser o desenlace final.

Eis alguns exemplos. Jogar para empatar é derrota quase certa. Jogar bonito mas sem golos é ineficácia. Jogar feio e ganhar é estrutura. Jogar mal e perder é castigo justo. Jogar mal e ganhar é sorte dos diabos. Rematar e insistir no golo, mais tarde ou mais cedo a bola entra. Esta última, se cumprida por mais de 20/30 minutos em actos continuadamente perdulários e escandalosos é certamente burrice, onde já nem a falta de sorte ou o azar correm pelo campo, e cujo destino é perder, mesmo que seja com um empate. Socorrer-se de Nuno Gomes nos útlimos minutos é acto de desespero com resultado obviamente nulo.

Uma das ferozes batalhas finais de um campanha inusitada - preenchida de maus resultados, desconfianças, desilusões - ocorreu este sábado, e temos um empate que é na verdade uma meia-derrota. A necessidade de ganhar tornou-se agora em urgência atroz. E assim, de tempos a tempos, Portugal (o país e o futebol) anda de meia-derrota em meia-derrota, num avanço inócuo para lado nenhum. Pelo longínqua estruturalização perdida (Queirós 1987-1994); quando as boas experiências passadas (Humberto Coelho) são esquecidas; e a persistência recente (Scolari) denegrida. Voltamos à constância do desperdício - desde as Descobertas, ao ouro do Brasil, dos milhões da Europa. A frequência do "gastar antes que acabe" tropeça tanto naqueles que têm como nos que pouco têm senão proceder assim. E no fim, ficamos a fazer contas. Uns se conseguem chegar ao mês seguinte. Outros para tentar esmiuçar a hipótese do Mundial.


Uma vez li num texto de Bruno Prata no Público a referência de alguém que dizia que existem três tipos de treinadores. Os competentes com sorte. Os incompetentes com sorte. Os competentes com azar. Ou seja, para entender de outra forma: Mourinho, Scolari, Queirós. Analisemos os percursos de cada um e entendem-se as falhas, os objectivos, o carácter, o ambiente. No fim desta campanha esperemos que o actual seleccionador passe a ser um competente com sorte. Era Carlos Queirós o líder da selecção quando se falhou o Mundial dos EUA em 1994. Na história das não idas a fases finais de competições até agora existe um falhanço histórico - Mundial de França em 1998. A hipótese de não atingir a África do Sul teme ser outro.

Pelo futebol da selecção entendemos a inconstância nacional. A glória de 1966 (Inglaterra). O deslumbramento de 1984 (França). A vergonha de 1986 (México). As vitórias inocentes de 1989 e 1991. A alegria de 1996 (Inglaterra). O falhanço de 1998 (França). As maravilhas de 2000 (Holanda). A vergonha de 2002 (Coreia). A magia de 2004 (Portugal) com final trágico. O quase pódio de 2006 (Alemanha). A desilusão de 2008 (Austria/Suíça). Altos patamares quase se alternam com percursos para esquecer.


Portugal é assim. Bipolar. De bestiais a bestas e vice-versa. Cada novo seleccionador é um salvador da pátria para logo de seguida cair no poço das más virtudes. Fernando Pessoa disse que faltava cumprir-se Portugal. O que o país precisa é de ir ao psiquiatra. Ainda para mais agora com as campanhas eleitorais no terreno e a permanente não-discussão de ideias ou soluções, e a costumeira eu-fiz-isto e tu-fizeste-aquilo cruzada com eu-não-fiz-isso e tu-não-fizeste-aqueloutro. Haja paciência.

Fartos de acusações, verdades dissimuladas, demagogias, confrontos de passado precisamos - quer no futebol, quer na política - de clareza, de seriedade, de solidariedade, de visão, de soluções a pensar para o futuro. Com tudo junto - futebol e política - as próximas semanas serão extenuantes.

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