2009-09-28

Vitórias e derrotas

Chegou a hora da verdade. Para todos.

A era de responsabilidade começou.


PS

A vitória é em síntese, óbvia. Apesar das "reclamações" os últimos anos trouxeram um certo sentido de estabilidade e rumo para o país. Podem estar algumas estratégias erradas ou disvirtuadas mas no fundo uma maioria de portugueses acha que o melhor é nos mantermos como estamos. Mesmo que o PM seja um pouco autoritário, afinal se a Itália tem um bon-vivant e gostam, nós por cá...

A maioria relativa conseguida, mesmo sendo uma derrota, transforma-se numa vitória sobre todos os que vaticinavam o fim. Mas Sócrates deverá provar se é capaz de governar em minoria socorrendo-se de compromissos parlamentares onde o interesse geral do país seja bem definido e defendido.


PSD

Alguém conseguiria conceber um novo governo nesta altura do campeonato, ainda para mais com Manuela Ferreira Leite à cabeça? O PSD perdeu justamente pelo seu passado e não conseguir explicar um futuro plausível. A ânsia de derrubar fê-lo cair estatelado sem qualquer vislumbre de, nas presentes condições encontrar meios que o façam levantar de novo. A hora da verdade chegou e da forma mais rude que podiam imaginar.

A actual liderança tentou fugir ao "malfadado" marketing político, mas foi a sua ausência exposta em anacronismos de outros tempos e falta de boa comunicação que também contribuiram para a derrota. Não pode ser apenas por intenções que se conquista, tem de se seduzir com ideias e conteudos bem explanados. Nem populismos, nem meter medo, nem à espera que o outro caia para conseguir o lugar, são métodos para vencer. Artifícios destes têm sido a face de um PSD irreconhecível, retrógado, desfasado da realidade social e política actuais. A hora da verdade para o PSD é esta. Após as autárquicas veremos de novo que o PSD é nada mais que um saco de gatos.


CDS-PP

O "one-party-man" é, como se diz na gíria política americana um "comeback kid". Quando tantos querem o seu fim, eis que regressa mais forte que antes. O que já foi o partido do táxi é agora um petisco não reconhecido para o PS passar algumas leis no Parlamento. E o CDS tudo tem a ganhar com isso.

Ter mais votos que o BE foi a cereja no cimo do bolo.

Apesar da imagem gráfica deprimente, valeu-lhes a força das ideias, mas particularmente a transferência de votos vindos do PSD. O CDS reassume um lugar de destaque na direita, área tão desfalcada de partidos consistentes e credíveis.


BE

Outro grande vencedor. A duplicação de deputados dá-lhes uma sensação de força inédita, que talvez não saibam como melhor utilizá-la. Num claro oposto do CDS, será paradoxalmente a outra muleta para o PS no parlamento. A contribuição do Bloco de Esquerda para uma governação estável será mais decisiva que de qualquer outro partido. O partido do contra terá de mostrar uma outra intransigência se quiser manter-se na mó de cima.


CDU

Uma estranha vitória. Quem passa de terceiro para quinto, mesmo que aumente um deputado, não poderá estar inteiramente contente. A fuga de votos para o BE tem sido constante e a simpatia e simplicidade do camarada Jerónimo não tem força perante a dinâmica do "irmão inimigo".


O desprezo dos Media aos pequenos

Continua a comunicação social a dar importância reduzida aos partidos não presentes na Assembleia da República. Não fosse o debate no "Prós e Contras" e quase que não passariam na TV. A força visual do MEP nas eleições europeias deveu-se à conhecida Laurinda Alves. A visibilidade do PCTP é graças à dinâmica de Garcia Pereira. Obviamente que cabe aos partidos pequenos encontrar soluções de comunicação originais e fortes, mas a contínua política de quem detém o poder de não as transmitir é inaceitável.


PCTP

O eterno Garcia Pereira demonstrou mais uma vez a força das suas convicções. Mas pode bem agradecer aos Gato Fedorento.


MEP

A prova de que as sondagens são cada vez mais enganadoras. Quando havia a possibilidade de eleger 1 a 3 deputados eis que se acaba com menos de metade do obtido nas eleições europeias: apenas 25.338 votos. As variáveis numa eleição são muitas, mas este resultado é inesperado. E, pessoalmente, muito injusto.

O efeito Gato Fedorento pode ter algo a ver com isto. Errado achei apenas convidarem representantes dos cinco partidos no parlamento. A crítica dos outros foi pertinente mas apenas útil para o único que conseguiu lá ir - Garcia Pereira. "Esmiuça os Sufrágios" tem sido um êxito de audiência. Mas se o programa é baseado no "The Daily Show" de Jon Stewart (que também vejo) então deveriam ter estudado melhor a lição.


Marketing e Design ausentes

À excepção da campanha do PS (profissional) e do MEP (cuidada) - todos os outros partidos pecaram por uma confragedora imagem, própria de tempos passados. Se o argumento com gastos foi usado, é notório que o dinheiro mal gasto fez mossa. O barato sai caro, meus caros. Quem sabe, sabe...

Porque insiste o PCP numa apresentação conservadora? Fraca de anos, a comunicação desta coligação não faz transparecer a força que afirma ter. Com um site em absoluta cópia da campanha de Obama, assumir-se é algo que me parece fundamental. PCP e PEV são de cores diferentes sim. Mas são ambos comunistas, cuja cor é vermelha. Falando como designer a comunicação do PCP tem tanto potencial (que o BE usou bem no seu início mas que também se perdeu) que é um desperdício ver como se arrasta com uma imagem embaraçada e enganadora.


Abstenção

Não entendo. Vi tanta gente votar. Até à hora de almoço havia mais que nas mesmas eleições anteriores. Afinal a quantidade de abstencionistas aumentou. É certo que é difícil acompanhar a política, pode ser enfadonha, desinteressante, provocar desilusão, revolta mas, não aceito que tanta gente não contribua com o seu voto para a democracia, para o país! De cerca de 9,3 milhões de eleitores houve um terço (3.196.674) que não votou, ou seja, mais que os votos no PS, quase tantos como a soma dos dois mais votados. A nenhum destes três milhões (excepto os doentes, ou incapacitados de alguma forma) terá autoridade moral e democrática para criticar ou exigir seja o que for do Governo ou do Parlamento. Quem perde será sempre o país.

O modo mais correcto de demonstrarem o seu protesto seria votarem em branco. Os brancos foram 98.967 e os nulos 74.234. Mais que o votos de qualquer partido "pequeno".

Se mais força houver para que manifestem o seu desagrado se os próximos tempos forem demasiado conturbados, aconselho todos a lerem o "Ensaio sobre a Lucidez" de José Saramago. A narrativa conta como 80% dos eleitores votaram em branco, causando uma crise política - esclarecedora - sem precedentes.


E agora?

O caminho daqui em diante não será fácil e é uma etapa ideal para provar o que Sócrates é capaz nesta posição minoritária. Um governo de coligação parece-me inviável. Ao PS seria, neste novo panorama, assumir uma posição quase contra-natura. Um "orgulhosamente só" manifesta-se mais alto, tanto pelas razões pragmáticas que o definem actualmente, como por razões ideológicas e de combate político. Quanto ao CDS, adoraria, mas o pudor fá-lo retrair-se. O BE podia, mas o orgulho impede-o.

A nova AR será um palco de compromissos e de diálogo que em princípio trará mais benefícios para todos. Nem a arrogância absoluta, nem a mesquinhez reaccionária. A todos os partidos caberá uma quota parte de responsabilidade e cooperação neste novo teatro. Nenhum poderá correr o risco de apresentar uma face que o diminua perante o eleitorado. Todos se prestarão construtivos mesmo na sua divergência de ideias, e deverão dizer "não" somente pelas suas convicções.

Diz-se que será um governo para durar dois anos, ou seja, até depois das eleições presidenciais. Discordo por razões de legitimidade e de jogada política. Mas isso depende tanto do que acontecer até lá e, acima de tudo, de quem as vencer. O certo é que o caminho está aberto para uma potencial candidatura de esquerda unida à volta de Manuel Alegre. Mas isso são contas de outro rosário.

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