2007-05-04

Politics is a mind game

Há um lado profundamente psicológico na política. É isso que me seduz. Mais do que a discussão prática de políticas específicas, seja da economia, da educação ou da saúde. Não dispenso contudo as relações diplomáticas, a Europa e o Mundo. É a força das ideologias, o combate na argumentação, os peculiares mind games entre adversários que me fascinam. Atraem-me os modos de argumentação, as reacções, os olhares e os gestos, as atitudes e os silêncios, até mesmo as traições. A nobre arte da política no seu sentido mais puro e original, que remonta aos adventos da Democracia Ateniense e do Senado Romano.

Debates. Eu gosto de debates. Mas aqueles que são vivos e os intervenientes falam directamente um com o outro. Detesto o modelo americano onde apenas se fala na sua vez, impossibilitando a espontaniedade da interjeição e da contra-argumentação imediata. Daí que tenha seguido com interesse o debate entre Paulo Portas e José Ribeiro e Castro. Dentro do tal modelo americano, ambos conseguiram romper com o combinado. Frio, calculista e manipulador, com mestria, cinismo e irritância Portas colocou Ribeiro e Castro entre a espada e a parede. Portas é um oportunista-nato, o projecto de sigla PP significará sempre muito mais "Paulo Portas" do que "Partido Popular", mas é igualmente um político-nato e onde o palco mediático é uma arma-trampolim. Foi curioso visualizar as suas hipocrisias e as debilidades do adversário. O debate centrou-se, como em tantos, e ao fim ao cabo é disso mesmo que se trata, mais do que tentar provar que o outro está errado, mas em derrotar o oponente pela argúcia da palavra e provar a superioridade da sua personalidade. Aí podemos entrar no lado negro do acto da política, afinal tão eloquente como volátil, permeável aos golpes baixos. Mas a política não mais é do que um aspecto do carácter humano, na forma como se relaciona e se identifica com o outro, ou contra o outro.

As eleições presidenciais francesas tiveram uma importância tal que ultrapassou as todas as suas fronteiras, expandindo-se por toda a Europa o confronto de ideias e o futuro de um país-chave para a construção europeia. Segui de muito perto toda a campanha, seja na TV, nos jornais, na internet. Vi as emissões em directo da TV5 nas noites das eleições, com os comentários e análises, os depoimentos de vitória e de derrota. Vi, com enorme interesse o debate final entre Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal. E este foi imensamente revelador. O invulgar modo gentleman e estadista de Sarkozy (já a pensar na vitória) em confronto com a combativa e idealista Ségolène. O retorno à discussão pura da política, na sua paixão, nas suas ideologias, no seu utopismo, na sua esperança, na sua vontade de mudar. Um elevado jogo de palavras, intenções e visões estiveram sobre a mesa. Mas pouco foi explorado quanto à política europeia para além do "problema" chamado Turquia. Os discursos da noite final foram eloquentes e curiosos na maneira como estes candidatos se relacionavam com os seus militantes e as suas ideias políticas. O sorriso constante da bela Ségo não pretendia esconder uma derrota, mas inspirar confiança e alegria, manter viva a chama dos ideais socialistas, particularmente para a campanha das legislativas de Junho. O ensemble de Sarkozy como Président de touts les français foi de force tranquile à Mitterrand, mas igualmente notório de um desejo finalmente cumprido. De notar o incrível poder de respeito e autoridade natural que Sarkozy possui: ao dar uma palavra de apreço a favor da candidata derrotada, parte do público começou a vaiar, ao que imediatamente o nouvel Président estendeu a mão em sinal de basta e um olhar negativo sobre esta reacção espontânea dos seus apoiantes. Resultado? Silêncio imediato e absoluto.

Política é manipulação sim. É um mind-game, verbal, gestual ou mesmo silencioso. O Prime-Minister Francis Uqhuart da magnífica série da BBC House of Cards era retrato disso mesmo, mas onde por vezes os meandros se podem tornar crueis, egoistas e despóticos até. É tudo uma revelação e um domínio das capacidades psicológicas, cognitivas e intuitivas do ser humano. Mas igualmente, e acima de tudo, como tantos democratas assumem que a mais nobre das artes, é das mais honrosas actividades de serviço público.