2006-12-31

O falso sacrifício



Tanta pressa. Este sábado se viu o porquê. É o dia dos sacrifícios na peregrinação do Hajj. Mas é também um acto de pura vingança. Como se viu nos festejos. Como se viu no momento da execução. Contudo, é um acto de apaziguamento para os iraquianos - Saddam não voltará a marchar sobre eles. E estes simbolismos são partilhados pela Adminstração Bush. Afinal, a "sua" justiça foi aplicada, à moda medieval, à moda texana. Com o pressuposto - W.Bush dixit - de que se trata de um passo importante para a construção da democracia no Iraque. Como? Uma morte é chave para algo novo? Que eu saiba apenas a morte de Jesus Cristo foi significativa nesse aspecto. Bush, dada a diferença horária, dormia enquanto Saddam morria mas, se estivesse acordado até saber, seria esse comportamento menos estranho? Triste ironia, o dia nasce para uma vida se tirar. Algo que sempre me intrigou, as execuções por enforcamento ao nascer do dia. Conhecemo-los do Wild West, será prática corrente no Médio Oriente, ou mera exportação?

Olho por olho, dente por dente. Como refere Mário Mesquista no PÚBLICO de hoje, foi prometido aos americanos o corpo morto de Bin Laden, mas foi-lhes entregue o de Saddam como um troféu de vitória - mas não é, de maneira alguma, a mesma coisa. A morte do ex-ditador não trará a paz, apenas um mártir, mesmo que o facto de ser sunita acabe por ser uma amarga vantagem no teatro de guerra dominado pelos xiitas. Se fosse o contrário arriscar-se-iam os EUA a autorizar a execução?
Por muito que Saddam devesse morrer - pelo que foi, pelo que fez - nunca uma execução, neste contexto onde nem sequer foi julgado (convenientemente) por todos os seus crimes, poderá ser o ponto de partida do que chamamos democracia. Como hoje o entendemos. Como queremos que seja no séc.XXI. Afinal, caímos na discussão da ambiguidade do próprio conceito. Para os iraquianos basta-lhes assim? Mas se um dos propósitos da invasão foi trazer a democracia para a região através daqueles que se auto-intitulam como a "chama da liberdade", é este o exemplo de um estado civilizacional de Direito, socialmente evoluído e respeitadora dos direitos humanos?

Para já o único verdadeiramente libertado é Saddam, a morte libertou-o do devido castigo em vida com uma pena exemplar. Se as coisas continuarem a correr mal, no fim, o vencedor será o próprio Saddam - o seu nome de código atribuído na prisão diz muito: Victor.



Nota:
A TVI foi a única estação de TV que mostrou tudo da execução. Não sei se avisaram antes sobre o seu contéudo forte - por mero acaso, à procura de notícias, lá fui parar. De imediato zapei para SIC e RTP, que se abstiveram de mostrar o momento da morte. Assim como também não vi na BBC, na CNN ou na SkyNews. Regidos pelas regras éticas e deontológicas, como frisado pelo Editor de Política Internacional da Sky. Energúmena TVI que pretende audiência à custa de uma morte quase em directo.