2006-10-04

Uma profissão em risco?

Não bastava o esforço diário para ganhar dinheiro, o suor - não sem prazer é claro - de produzir um bom trabalho. Não bastavam os contratos de trabalho precários ou os recibos verdes, as directas e noites mal dormidas para cumprirmos com os prazos-guilhotina dos clientes. Nada disso importa agora. Pensar, estudar, criar e desenvolver uma identidade? Isso é coisa do século passado! O que é preciso é despachar logotipos e muitos! Amigos, colegas e companheiros designers gráficos, bem podem fechar a tasca. Os nossos clientes têm agora à sua disposição hipermercados de logotipos. Recentemente foram lançados dois sites (abstemo-nos de os divulgar, pub gratuita só para quem merece) onde se vendem logos assim como quem vende sabonetes. Sim, pois estes maravilhosos objectos de higiene existem aí aos pontapés de todas as cores, cheiros e feitios, mas pensem em barato, muito barato. Mas a função limpeza que possuem actua sobre quem? Sobre os designers gráficos e as empresas de design. Não os grandes, mas aquelas PMEs tão profissionais e honestas como as grandes, onde as áreas de actuação são por vezes restritivas e cujo cliente é justamente aquele que poderá recorrer a este serviço online.

Este é o serviço inovador que vos vai levar à miséria, acreditem. Agora, nada de reuniões e discussão de briefings com cliente. Basta perguntar via email ou questionário de site "é uma cadeia de supermercados?" e toca a espetar com um pimento estilizado a sobrevoar o lettering e está feito. Finda a era das tipografias onde o cyan ou sépia dominavam uns "bonecos" bizarros corporizados com Times ou Comic Sans, chegou a hora do ready-made online. A questão não está no direito que cada um tem de ter um negócio, o cerne da questão é o desvirtuamento do mercado e das suas regras numa economia já de si debilitada - onde estas ofertas também pretendem chegar. Os preços mostrados em pacotes diferenciados como quem compra um iPod com mais ou menos gigas são muito abaixo do praticado mesmo no mercado fora-de-Lisboa. Isto desvaloriza o trabalho desenvolvido por verdadeiros profissionais do design. Alguém duvida que não são uns tipos que fazem as programações e web-transposições, e com o Corel, ou já com o FreeHand (uau!) esboçam dezenas de "bonecos" como quem usa papel higiénico? E tentar despachar outros recusados por outros clientes, como decerto existe num outro portal nortenho que também vende templates de sites (no entanto bem feitos estes e a preços substancialmente coerentes). São uns tipos que tiveram uma ideia "espantosa", julgando-se bastante empreendedores tentando fazer valer na prática aquilo que o nosso PM e o seu Plano Tecnológico visam alcançar. Mas são os riscos da internet e da sociedade de informação em constante evolução e temos que conseguir dar a volta a estas novas situações.

No entanto, com estes preços é facil algum cliente mais sonâmbulo cair na esparrela. Claro que o trabalho a partir daí é deixado à imaginação do cliente, mas o que é que isso interessa agora? Manuais de identidade? É perca de tempo (embora uma o faça num pactote mais completo). Os clientes quanto muito querem só um cartãozinho e o envelope. Este tipo de serviço é só mais um exemplo da falta de notoriedade que a actividade e a denominação que o designer carece. Já para não falar de algum tipo de fiscalidade na área - mas para isso seria necessário uma Ordem (projecto da AND e APD, mas na realidade é uma luta de galos que apenas descredibiliza os profissionais). Se os arquitectos têm, por que não os designers?

Ponham-se agora na pele do cliente. Que diferenças têm um trabalho de identidade corporativa de €100 ou €1500? Será que o método e o processo criativo assumidos na proposta mais cara, justificará, por si só a diferença? Vencerá o facilitismo e a abstinência da comunicação pessoal, o desconhecimento das matérias e do método, o recorrer ao simples toque "mágico" da tecla do computador? Muito se tem falado nisto, mas enquanto a categoria de designer não estiver ao nível (no que respeita ao seu reconhecimento pelo Ministério das Finanças) de um Técnico Oficial de Contas, de um Engenheiro ou Arquitecto, nada poderemos fazer. Resta-nos apelar para que a nossa categoria seja devidamente catalogada e os nossos serviços tabelados, protegendo designers e clientes? Nada disto dispensa a constante promoção e divulgação de cada um que se considera designer gráfico de facto e pretenda com isso continuar a laborar. No entanto como poderemos lidar com este tipo de concorrência - de tipo terrorista - quando as dificuldades económicas são evidentes? Baixarmos ainda mais os preços, oferecer trabalho? E depois como cumprir com os direitos e deveres para com os funcionários, os fornecedores e o Estado? Como conseguir dinheiro suficiente para "governar" as nossas vidas? Até lá, muito mau trabalho pode ser feito com a maior das legalidades, para mal dos nossos pecados e má sorte dos clientes desprevenidos.

Editorial da equipa deste blog

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