2009-03-26

Pensar a Cidade



ONTEM
A humanidade vive em grupos. Aldeias, vilas, cidades, ao longo de milénios, sempre nos reunimos em densidades mais ou menos intensas, e com isso moldamos esse novo espaço com vida, com construção, com crescimento, mudança. Com as cidades introduzimos espaços privados e públicos, de recreio e de comércio. Construímos habitação, locais de culto, equipamento administrativo e de lazer. Nas suas ruas nos transportamos para o trabalho e tantos outros sítios. Nos seus bairros fizémos amigos, jogámos à bola, brincámos. Por tantas vezes houve momentos trágicos e felizes. Nas cidades fizémos história, levantámos barricadas e fizémos revoluções. Nas cidades nascemos, vivemos, estudamos, casamos, trabalhamos, socializamos, morremos. A cidade é um compósito de emoções e de vida, de tudo isto que nos define enquanto indivíduos, de tanto que nos forma enquanto cidadãos. É um local único que a cada década se intensifica, cresce e se estrutura como sociedade particular, pois as cidades são as comunidades que nela residem e trabalham, mas também estas se moldam pelo modo como são feitas essas mesmas cidades.

HOJE
Contudo as cidades têm evoluído para formas não amigas do cidadão. O abandono dos centros, seja pela sua degradação, seja pela especulação imobiliária, afasta-os para periferias sem alma, mas trá-los de volta em invasões diárias de veículos e poluição. Tempo perdido em viagens e stresse equivalente à diminuição do conforto individual e familiar, no equilíbrio social e económico, na escassez de liberdade para divertir, respirar, melhor viver.
Os problemas que as cidades hoje enfrentam foram construídas ao longo de décadas de desleixo, insensatez, substancial demanda de espaço para cada vez mais migrantes, desinteresse pelo bem comum, desentendimento de que uma sociedade desenvolvida é apenas construída sobre objectivos, planeamento, equilíbrio, justiça e natureza. A sustentabilidade das cidades, que ao longo deste século se tornaram em aglomerados cada vez mais numerosos e densos, está posta em causa pelas condições, práticas e políticas actuais. Os factores de desenvolvimento das sociedades estarão lesados ou diminuídos se o status quo se mantiver. Urge portanto, promover o debate, questionar quem de direito, encontrar soluções, encetar mudanças. O paradigma presente não colhe - há que alterar o modo como construir o futuro, ou melhor, elaborar mecanismos e projectos que possam edificar um amanhã para todos co-habitarem.

AMANHÃ
As cidades do futuro não são projecções futuristas, irrealistas ou utópicas. A cidade de amanhã deve ser fundada sobre os valores que dela fizeram algo especial - a história, a cultura, a economia - em conjugação com o equilíbrio e a originalidade; na inclusão da diferença e o respeito pela natureza; numa reestruturação urbana e arquitectónica combinada com verdadeiros espaços verdes, vias de comunicação e equipamento habitacional e público em concordância com o espaço que a rodeia, eliminado a ocupação desordenada do território; reduzir elementos factores de poluição. Ou seja, pensada e trabalhada por técnicos e políticos, com profissionalismo, dignidade e ética, empenhados em contribuir para a comunidade.
Uma cidade tem uma imagem a defender, a preservar, a projectar. As novas urbes do século XXI não sobreviverão sem um plano estratégico que não seja atractivo, de desenvolvimento, e coerência sustentáveis. Necessita de uma identidade própria que a defina - encontrar boas razões para que as pessoas tenham um sentimento de pertença e orgulho; evidenciar nos planos social, económico, cultural e regional a construção de um conceito de Place Branding - ou Marca Local. Este pressupõe analisar factos e problemas existentes, pensar soluções de desenvolvimento, elaborar conceitos alternativos e criativos que, assente na realidade dessa mesma cidade ou região, possam dotar o local com factores e eventos de competitividade e appeal, para habitantes, negócio e turismo, assente em valores de confiança, prestígio, cidadania e solidariedade. A cidade deve evidenciar as suas potencialidades e solucionar as suas debilidades. Promover a participação dos cidadãos nos aspectos político e social, de discussão pública, de responsabilização colectiva.
Maus exemplos abundam por tudo o que é sítio. Mas boas cidades existem por exemplo na Europa, no Canadá e nos EUA.
Contudo o que interessa agora é colocar as questões necessárias e elaborar sobre esses bons exemplos e outras boas ideias no que nos é mais próximo. O local onde cada um de nós vive é precioso de diversas maneiras. A nossa participação, individualmente ou em grupo, não deve ficar restrito (pese a costumeira abstenção) aos actos eleitorais. Não devemos ficar refém de promessas vagas ou de encher o olho. Ou inconformarmo-nos, ou julgar mal. Cabe-nos agir, pelos meios que forem possíveis, pelo bem do sítio onde vivemos, pela defesa da honra e da justiça, contra caciquismos e falsos altruísmos, inépcia e inconsequência. Pois a construção de uma sociedade justa, civilizada e moderna parte de dentro para fora, de baixo para cima. Cada indivíduo é um cidadão. Cada cidadão é responsável pelos seus actos. E cada acto bem pensado pode fazer a mudança.


Publicado na Gazeta das Caldas de 10 de Abril

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