2009-12-17

Fringe



Há muitos anos atrás, antes da transição do Milénio havia uma frase que nos ecoava como um desejo profundo, como um projecto de vida, como uma necessidade de entender. "I want to believe" era o leit motiv de Fox Mulder. E o nosso também, espectadores de culto de "The X Files" onde as mais estranhas criaturas coexistiam entre nós, acontecimentos bizarros com explicações científicas alternativas, mistérios vários no meio de teorias da conspiração governamentais.

Depois tivémos, também criado e produzido por Chris Carter, a curta série "Millennium". Promissora narrativa que explorava os contornos mais negros da existência, sempre interligada com as profecias do Apocalipse. Igualmente conspirativa, Frank Black dava-nos uma densidade perturbadora de uma realidade sobrenatural que podia mudar o planeta.


De facto foi "Twin Peaks" fantástica e delirante criação de David Lynch que abriu caminho para poderosas narrativas televisivas onde o inexplicável circula entre nós. Onde sinais misteriosos nos conduzem a locais estranhos e perturbadores, até aos mais escabrosos esconderijos nas nossas mentes (como no filme "A Cela"), a capacidades e acontecimentos do paranormal tão míticas ou impossíveis de entender como paradoxalmente assimilados na cultura e existência humanas. Pois a sociedade humana sempre existiu entre simbologias e crenças e se regeu segundo parâmetros de razão e mística, factos e ciência, possibilidades e sonhos.


O ser humano na sua natureza intrínseca é um ser complexo, seja na forma psicológica, social e espiritual, e é isso que estas séries exploram bem. Os segredos, as incongruências, passados escondidos, na verdade as personagens têm muito mais a esconder que a revelar, e de cada vez que há um vislumbre nas suas verdadeiras intimidades, o voyeurismo nos compele a desejar saber mais, imaginar enredos extra para entendê-las e tornarmo-nos parte da narrativa, intrometendo e decifrando a(s) realidade(s) que episódio após episódio sofregamente, avidamente ingerimos. A adesão é tão igual como quem vê telenovelas - é impossível perder - a excepção é a qualidade e a densidade destes programas.

Esta atitude do espectador renasceu com "Lost". Todas as características mencionadas atrás existem aqui, e tanto nos prende a busca pela verdade (que ilha é aquela) como a evolução das personagens e o seu papel central na história. Nisto é particularmente brilhante Hugh Laurie interpretando o Dr Gregory House na série "House".



J.J. Abrams, criador de "Lost", lançou no outono de 2008 uma óptima súmula desta, juntando alguns ingredientes de "Alias" (também obra sua) e com notória inspiração de "The X-Files", a que chamou "Fringe".

Junte-se uma agente especial (Olivia Dunham como uma combinação de Sydney e Mulder) do FBI numa unidade (FBI Fringe Division) que investiga acontecimentos estranhos e pessoas bizarras, alguma dose de conspiração latente, predestinação, ciência alternativa (fringe) com instituições suspeitas, e temos um thriller onde a trama explora a ténue linha entre realidade e (aparente) ficção científica. A base pode não ser original, mas as histórias demonstram intensidade dramática e fluidez narrativa assentes sobre uma composição visual muito bem elaborada e grafismos inovadores em televisão (só visto anteriomente no genérico de "Panic Room") e um cast de actores extremamente bem escolhidos (quer pelas suas interpretações, quer pelas suas próprias imagens que expõem carácter adicional às suas personagens).



Se em "The X Files" o Governo dos EUA era um todo-poderoso e potencialmente perigoso detentor da "verdade", em "Fringe" assistimos à realidade dos nossos dias onde as empresas (aqui a Massive Dynamic) têm poderes eventualmente desmesurados, sendo muito mais difícil o seu controlo e o real entendimento das suas necessidades e interesses. "Fringe" explorou toda a primeira temporada essa suspeição com base em diversos eventos - estranhos, perigosos, criminais - cientificamente excitantes, misteriosamente inexplicáveis, nos domínios da nano-tecnologia, química, biologia, ciência quântica, da possibilidade de atingir universos paralelos e alternativos, intercalados com pequenos ícones (sapo, borboleta, etc) que nos abrem caminho a códigos secretos (como em "Lost"), com inteligência e densidade crescente até o último episódio cujas cenas finais são de absoluta imprevisibilidade e fascínio narrativo e de uma nova personagem finalmente em acção interpretada surpreendentemente por... Não posso dizer para quem não teve a oportunidade de assistir.


Mas é hoje à noite, de volta à RTP2 pelas 22H40, que podemos encontrar respostas a tantas dúvidas suscitadas, e entender o porquê de certos acontecimentos e atitudes. O mais certo é perdermo-nos de novo em novas e excitantes inquietações que nos fazem prender os olhos e a mente ao écran a cada episódio.



FRINGE

Segunda Temporada: Episódios 1 e 2

RTP2, quintas-feiras às 22:40

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