2007-09-16

Realpolitik, por razões óbvias

Pela segunda vez o Dalai Lama veio a Portugal. E ainda não foi desta que foi recebido pelo Governo português, nem tão pouco a Presidência da República "inventou" um encontro como Jorge Sampaio havia feito em 2001. Para além de uma falta de respeito e indelicadeza pessoais, é um profundo desprezo político e humanitário. Como muito bem disse Ana Gomes, não se sabe que alguém tenha sido comido por Pequim, mas o que é certo - ou melhor, "por razões óbvias" - Portugal tem medo que isso lhe aconteça. A sua posição de fragilidade face à pressão da China apenas reforça a real insignificância que Portugal tem no panorama das relações internacionais. Pelo menos a este nível. O medo de afrontar para não prejudicar o "investidor" chinês é sintomático da hipocrisia e baixo nível intelectual desta diplomacia. O facto de sermos uma nação com uma relação longa e única com a China, ao fim e ao cabo, não trouxe vantagem alguma. Durante décadas se dizia que Macau era a porta de entrada de Portugal no Oriente, mas a China nunca foi muito nessa conversa não se interessando por fazer o percurso inverso quando tinha a todo-poderosa Hong Kong mesmo ali ao lado. Assim como se continua a clamar que as ex-colónias são portas de entrada em África. Falso. A pequenez lusa cai sob o poderio chinês - e de outros - que tem se estendido por quase todo o continente sem precisar deste ou daquele para lá entrar. A China entra para obter poder, "por razões óbvias".

Portugal diplomaticamente rege-se por estranhas e contraditórias atitudes, onde apenas Timor foi a causa justa. Aliás, de causas justas está o mundo cheio, mas são atitudes justas que escasseiam. De forma a romper isto está o governo de Gordon Brown a opôr-se a Mugabe. A cimeira UE-África, a realizar-se Dezembro em Lisboa poderá ficar marcada negativamente pela vinda do ditador do Zimbabwe e a ausência do PM britânico. Mas de ditadores continua África a ter demais, e eles virão cá também. Contudo, uma posição de força está o Reino Unido a tomar contra actualmente o pior déspota africano, que continua no poder defendido, por exemplo, por Angola - que muitos se esquecem, ou fazem por isso, de que se trata de um Estado autocrático. Com a mesma mão que recusou apertar a do Dalai Lama, apertará o Governo português a de Mugabe, José Eduardo dos Santos, entre outros. Os valores humanistas e humanitários continuam somente nas conversas coloquiais de conferências mediáticas. A hipocrisia e a falta de atitudes correctas continuam a dominar as agendas.