2007-08-30

O poder da influência



Temos sobre os nossos filhos diversas responsabilidades e deveres, sendo uma delas essencial, fazer deles seres humanos. Cabe a nós pais definir e conduzir a sua educação segundo regras e formas de conduta que consideramos as mais correctas - sendo estas tão ambíguas como variadas de família para família - mas existem ideais comuns a todos: a honestidade, a argúcia, o respeito, a tolerância. Possuímos sobre eles um poder imenso para moldá-los à nossa semelhança, ao que gostaríamos que fôssemos, ao que desejamos que sejam, às leis universais democráticos e humanistas, aos cânones da nossa sociedade e civilização. Tudo isto é a base para o futuro das crianças, seja agora, seja quando adultas.

Também na Palestina isso é claramente visível. Mas é por demais conhecido o ódio palestiniano ao ocupante israelita, conflito demasiado longo e demasiado complexo, mas igualmente demasiado importante para o Médio Oriente e o resto do mundo. E este ódio vive todos os dias, faz parte da existência de muita gente na dura realidade do que é um povo aprisionado na sua própria terra, subjugado diariamente à humilhação, à pobreza, à miséria, ao não-futuro, à morte. Mas a luta pela liberdade não pode socorrer-se de determinados meios. Enraizada entre todos, a política olho-por-olho, dente-por-dente, nunca foi, nem nunca será o caminho. Durante cinquenta anos gerações de palestinianos sobrevivem à custa de algo inacreditavelmente poderoso, e intrinsecamente humano: o ódio. Sucessivas gerações têm-se alimentado desse ódio como arma vital contra o inimigo, apenas para prolongar o sofrimento de todos e inviabilizar soluções justas e libertárias.

A meio do primeiro semestre deste ano, a TV do movimento Hamas (o governo da Autoridade Palestiniana até Julho, agora confinado a Gaza) iniciou um programa destinado às crianças, no mínimo suis generis. Nele surgia um rato em muito semelhante a Mickey Mouse (a estratégia da sedução), de seu nome Farfour. Este, em conjunto com a jovem apresentadora apelava à Jihad anti-sionista e a supremacia islâmica (a estratégia da mensagem) em linguagem tão conhecida como incrivelmente inocente na voz destes interlocutores. Do mesmo modo como quem ensina uma criança a contar. Crianças telefonavam tecendo palavras violentas que ouvimos de tantos adultos (a estratégia da fraternização). Entretanto, numa maior dramatização, a par dos intensos conflitos pró-guerra civil entre facções do Hamas e do Fatah, o querido Farfour foi capturado pelos serviços secretos israelitas, interrogado e sumariamente executado (a estratégia do inimigo). Tudo isto encenado. "Devemos dar graças ao nosso mártir Farfour, que sucumbiu sob o nosso inimigo sionista" informava a menina (a estratégia da vitimização).
Nascem e crescem milhares de crianças entre os escombros de uma sociedade votada ao ódio e à vingança. Como poderão eles fazer do seu futuro um horizonte de liberdade? Haverá hipótese de alcançar a paz num ambiente que, por sua culpa e do ocupante hebraico, apenas conhece a violência e a prisão? Crescerão como adolescentes que atiram pedras nas ruas contra os soldados, e tornar-se-ão militantes armados ou suicidas mártires. O ciclo repetir-se-á e a esperança de mudança nunca se poderá erguer. É o radicalismo em todas as suas variantes que determina o futuro destas crianças. A influência dos adultos sobre as novas gerações fá-los acreditar que apenas a luta armada é o caminho, o ódio uma arma poderosa, a morte a salvação. Não é isto que devemos ensinar às crianças, por mais justa que seja a luta do povo da Palestina.

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Aqsa TV
16 Abril: http://www.youtube.com/watch?v=jB4bKLnXPIQ
30 Abril: http://www.youtube.com/watch?v=2zSR2QnJ0Z4


CNN: Teaching kids to hate
http://www.youtube.com/watch?v=IbOHZp3Ru_4

Islamic militant group takes the Mickey
The Islamic militant group Hamas enlisted a familiar-looking rodent to spread its message of armed resistance. This giant mouse, now pulled from screens, had been preaching in a high-pitched squeak to kids on a popular TV show about fighting Israel.