2010-10-27

Trintões, Filhos dos Anos 70

Somos filhos de um tempo longínquo, peculiarmente muito nosso. Nascemos e crescemos num país entre regimes, num tempo transitório entre um mundo artesanal para outro pré-digital. Somos gente de outra realidade, que permanece estranhamente agarrada a uma profundidade nostálgica. Abraçámos uma bela ideia de um futuro que não se cumpriu, uns perderam a utopia do sonho enquanto outros perdem-se no sonho dessa mesma utopia.

Firmes nos erguemos, na certeza que à beira dos quarenta muito mais que ternura nos suportará a existência, pois entre nós perdura um passado inigualável e comum, especiais momentos construtivos de nós próprios, fantasias e experiências irrepetíveis, imbuídos de valores e dúvidas que tanto nos movem como nos retraem. Somos uma geração madura que procura o seu lugar, insiste na eficácia, valoriza o mérito, ama a liberdade.

Somos adultos de entre-tempos, repartidos entre o arcaico e a modernidade, entre o passado lento e a alta velocidade do século novo, tentando perceber melhor quem é na verdade, pesquisando-se para implantar em si mesmo à medida de um envelhecer vagaroso uma permanente necessidade de se definir e pacificar.

Somos únicos e isso enche-nos com um invejável orgulho.


Uma na Bravo, Outra na Ditadura é um documentário exemplar (conteudo, montagem, conceito) da autoria de Andre Valentim Almeida onde, nós filhos trintões dos anos 1970, nos revemos em absoluto em cada depoimento.




"Retrato", JP Simões

A minha geração, já se calou, já se perdeu, já amuou,
já se cansou, desapareceu, ou então casou, ou então mudou
ou então morreu: já se acabou.

A minha geração de hedonistas e de ateus, de anti-clubistas,
de anarquistas, deprimidos e de artistas e de autistas
estatelou-se docemente contra o céu.

A minha geração ironizou o coração, alimentou a confusão
brincou às mil revoluções amando gestos e protestos e canções,
pelo seu estilo controverso.

A minha geração, só se comove com excessos, com hecatombes,
com acessos de bruta cólera, de mortes, de misérias, de mentiras,
de reflexos da sua funda castração.

A minha geração é a herdeira do silêncio,
dos grandes paizinhos do céu,
da indecência, do abuso.
E um belo dia esqueceu tudo, fez-se à vida,
na cegueira do comércio

A minha geração é toda a minha solidão, é flor da ausência, sonho vão,
aparição, presságio, fogo de artifício, toda vício, toda boca
e pouca coisa na mão.

Vai minha geração, ergue a cabeça e solta os teus filhos no esplendor do lixo e do descuido,
Deixa-te ir enquanto o sabor acre da desistência vai corroendo a doçura da sua infância.
Vai minha geração, reage, diz que não é nada assim,
Que é um lamentável engano, erro tipográfico, estatística imprecisa, puro preconceito,
Que o teu único defeito é ter demasiadas qualidades e tropeçar nelas.

Vai minha geração, explica bem alto a toda a gente
Que és por demais inteligente, para sujar as mãos neste velho processo, triste traste de Deus.
De fingir que o nosso destino é ser um bocadinho melhor do que antes.
Vai minha geração, nasceste cansada, mimada, doente, por tudo e por nada, com medo de ser inventada
O que é que te falta, agora que não te falta nada?
Poderá uma pobre canção contribuir para a tua regeneração ou só te resta morrer desintegrada?

Mas minha geração,
Valeu a trapaça, até teve graça, tanta conversa, tanta utopia tonta, tanto copo, e a comida estava óptima! O que vamos fazer?

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