2007-12-07

oportunidade x oportunismo


Foto tirada no Lubango, Agosto 2006

E assim foi. Mugabe está cá, Gordon Brown recusou-se a vir. Se Mugabe não fosse convidado, vários países africanos fariam boicote. Um símbolo pode ser considerado como tal quando é tão óbvia a sua demência?
Sete anos após a primeira cimeira UE-África, a segunda edição esteve por um fio. Mas a questão que fica, ainda antes do encontro se iniciar - para que serve? Quais as verdadeiras razões? Valerá a pena? É minha convicção que esta reunião é importantíssima. A Europa necessita de encetar, como um todo, um diálogo com África, afirmar-se para si e para o mundo como um bloco económico com uma consciência social efectiva enquanto política exterior. Então é só para encher o ego, perguntar-se-á. Sim e não. Neste fim-de-semana reforçam-se os alicerces da Europa unida e humanista, farol da democracia e blá, blá, blá. Tudo em que acredito, não desdenho, mas de facto importante e que desejo que seja o menos visível desta cimeira. O que está em causa aqui estão outras duas razões: a China e África. Desde a cimeira do Cairo em 2001, o "Império do Meio" já teve uma mão cheia de encontros com África, e temos visto bem os dividendos que os chineses têm retirado do continente negro. Mas existe um problema: a China quando investe ganha muito mais do que aquilo que retribui - é a tecnologia, o dinheiro, a mão-de-obra inteiramente chineses que, quando acaba o trabalho regressa tudo a casa. Qual é o legado que a China deixa em África? O máximo são as estradas - que eu bem vim em Angola o ano passado - que passados meses está em más condições de circulação. A China retira petróleo, gás e outras matérias-primas. A China "impõe" a sua influência, dá dinheiro fácil para administrações corruptas, "impede" um verdadeiro crescimento e desenvolvimento sustentado de África.

A Europa pode e deve ser o oposto. Mas deve abandonar de vez os tiques colonialistas. Assim como África tem de erradicar a vitimização anti-colonial. Esta cimeira pode ser o inicio de uma nova oportunidade. Contudo seria preciso uma cimeira para isso? A diplomacia funciona tanto ou mais nos bastidores, mas aqui existirão diversas conversas intercalares. É é urgente mostrar a todos os intervenientes e ao mundo como a aposta em África pode ser uma conquista para um futuro melhor. A interdependência dos povos no mundo globalizado necessita de políticas e relações de cooperação eficazes por forma a combater a pobreza, a guerra e as alterações climáticas, por forma a melhorar a governação e o respeito pelos povos e os direitos humanos. São estas as áreas-chave que estão sobre a mesa. Durante demasiadas décadas se olhou para África como um continente perdido. Chegou a hora de mudar isso, pelas pessoas, pelo continente, pelo planeta. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU têm de ser aplicados.

E quanto às "persona non-grata"? A ausência do PM britânico tornar-se-á menos sentida que a presença do senil Mugabe. Durante semanas que se tenta evitar a ideia que seja, somente, uma cimeira UE-Mugabe. É necessário não empolar demasiado a sua presença, mas chamar à atenção de todos sobre as atrocidades que são cometidos em África todos os dias. De início o que parecia uma posição nobre e de força, parece-me agora uma atitude individual e com menos resultados práticos que o desejado.
De 53 países, apenas meia-dúzia se pode apresentar como verdadeiramente democrático ou livre. Segundo escrevem David Miliband e Doulgas Alexander do Foreign Office "o primeiro-minstro britânico não estará presente - devido à nossa preocupação com a tragédia que se está a desenvolver no Zimbabwe, que afecta pessoas de todas as raças e que acreditamos ser culpa de Robert Mugabe". Então e no Congo, no Sudão, nos Camarões, no Chade, na Etiópia, na Somália, onde a guerra, a miséria e o despotismo são tão ou mais graves que no Zimbabwe? Há meses que se tenta na ONU uma solução para o Darfur - há mais de quatro anos que milhares de pessoas sofrem e são mortas naquele território, no que há muito se considera um genocídio. Fez-se finca-pé à presença do presidente do Sudão em Lisboa?
Nos meandros diplomáticos há que falar com todos, mesmo com aqueles que possamos detestar. É a nossa força e superioridade ética e democrática contra a sobranceria e o despotismo. A conversar é que a gente se entende, não é? A UE perde aqui uma oportunidade de falar a uma só voz...

A nova relação com África deverá ser de parceria, estratégica e humanista. O humanitarismo não deve terminar, mas é uma visão que não deverá ser considerada como a única. É com cooperação aberta, laços fraternos, políticas de desenvolvimento e atitudes nobres que devemos construir uma África do futuro, com futuro, para o futuro. O continente africano é uma das maiores riquezas do planeta com os seus imensos recursos naturais, a extraordinária biodiversidade, e sua magnífica multiculturalidade. A nossa esperança enquanto verdadeiros cidadãos e civilização democrática e livre pode também residir em África.

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Comentário de Silvino Silva

Dizes bem quando olhas para África e, realmente, apontas que déspotas é coisa que lá não falta, até aí em absoluto acordo. Mas também se pode dizer que, desde o fim do colonialismo, é a interferência externa e em grande medida ao bajular da escumalha política do Ocidente que, em busca da delapidação sistemática dos recursos locais africanos, mantém elites ditatoriais no poder.

Prender o senhor Robert Mugabe do Zimbabwe, o senhor José Eduardo dos Santos de Angola, e levá-los para serem julgado no T.P.I. de Haia, com os restantes tiranos, é acima de tudo um dever moral da Europa e de todos os países, ocidentais ou não, que se auto-intitulem, como democráticos.

"Não é a falar que nos entendemos", chega de "falinhas mansas", mas antes é com acções concretas que demonstrem efectivamente que os valores que os governantes ocidentais dizem defender não passam de palavras vãs.

A juntar aos tiranos, africanos ou de outras origens, está na altura de começar a levantar a voz contra gente tão hipócrita como Durão Barroso e José Sócrates, entre outros governantes europeus, que vão sendo coniventes com situações anti-democráticas.

Deixem-me recordar o recente "namoro" Sócrates-Hugo Chavez, da Venezuela, o pseudo-democrata que limita cada vez mais a liberdade dos venezuelanos... Viva o petróleo, já que as pessoas não contam.

Deixem-me recordar também o célebre caso das O.G.M.A., em que o senhor Durão Barroso (então Ministro dos Negíocios Estrangeiros), achou bem que Portugal interferisse a favor dum dos lados da guerra civil angolana, aniquilando até hoje qualquer possibilidade de vir a haver verdadeiramente uma democracia naquele país, tão caro aos Portugueses.
A Angola do século XXI tem no seu presidente um dos homens mais ricos do mundo, no entanto o povo vive miseravelmente. Doenças que estavam praticamente erradicadas no tempo do colonialismo português (como a tuberculose e a doença do sono), já para não falar da malária que então tinha um quadro bastante mais favorável, constuituem hoje autênticas pandemias.