2010-07-22

Língua e Poder



1.
Existe um lugar sem igual que se encontra entre cada um de nós. Ainda um pouco tímido no contacto, a alegria das reuniões são terra nova por explorar na sua plenitude. Conhecemos o outro que connosco partilha tanta coisa que até o podemos chamar irmão. Aos poucos vencemos a desconfiança incoerente e o receio retrógado. Juntamo-nos para negócios, visitamo-nos em ideias felizes, mas continuamos ainda longe de um aprofundamento concreto mais enriquecedor. Falta conhecermo-nos melhor, misturar entre falas e riso, trabalhar para vencer adversidades, entreajudar no câmbio de ideias.

Esse lugar é a Língua Portuguesa, comunidade plural que partilha uma singular história e cultura, espalhada por vários pontos do planeta. O que separa Portugal, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste é muito menos que tanto que os une: um conjunto de laços invulgares, únicos no mundo. Entre o Atlântico e o Índico os ventos levam vozes de uma identidade partilhada.
Já passou tempo suficiente e mudanças essenciais para não entender a aproximação como uma entidade unívoca ou neocolonialista. Todos atingiram graus de maturidade para compreender o reencontro. O transformador processo da Globalização tem no contexto geográfico desta diáspora linguística imensas vantagens de futuro e potencialidades estratégicas que urge colocar em prática. À comunhão de valores e ideias de civilização e progresso advém uma realidade a não mensoprezar que é o poder obtido por esta assembleia de povos na cooperação interpares por um lado, e numa visão mais vasta dentro do novo panorama mundial.
Os passos têm sido curtos mas, tendo por base estas premissas de herança histórica, idioma comum e uma visão compartilhada do desenvolvimento da democracia, nasce a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a CPLP. É um feito de relevante importância face a congéneres semelhantes como a Commonwealth e a Francophonie.


2.
Este agrupamento lusófono tem capacidade para reforçar os vínculos para um futuro comum. Com isso, sendo um comprovado projecto político, a sua visão mais alargarda não tem sido suficientemente explorada. Demonstra por vezes inspidez, sem vislumbre palpável para a progressão dos povos, reunindo-se em meras cimeiras e encontros ministeriais sem resultados muito concretos, seja por alguma inoperância colectiva, seja por uma certa falta de vontade subliminar de concretizar o abraço. Os propósitos da CPLP, honrosos claro, estão aquém de uma maior audácia para uma aproximação cruzada em que os objectivos cooperação e concertação tenham visibilidade e consequência valorativa para uma concreta promoção e valorização da língua, da cultura, e dos países membros. A CPLP necessita de outros meios de actuação e um renovar de objectivos. A CPLP devia ser muito mais do que é. Deveria ser um projecto mais integrador aprofundando os seus âmbitos político, económico, social e cultural, sempre com base nos princípios que a formou, reforçando estas vertentes para estratégias comuns e essenciais para a construção de uma comunidade de futuro, assente nos valores ímpares da fraternidade e liberdade que os povos de expressão portuguesa comungam.

Esta comunidade, mais sedutora e mais participativa, poderia conjugar esforços e visões novas através de determinados passos, tais como:
- Uma melhor regulamentação (sem vistos) que simplifique a circulação de pessoas dentro do espaço CPLP ao estilo Commonwealth e UE. Isso possibilitaria relações mais dinâmicas, reforçando as conexões entre pessoas e empresas, constituíndo uma rampa para um melhor conhecimento uns dos outros e como tal, maior integração cultural e social.
- Constituição de mecanismos legais e económicos para que o actual mercado de bens e serviços possa ser intensificado. O espaço da CPLP é um mercado comum de imensas possibilidades e, entendendo-a como tal, existem potencialidades várias para as empresas poderem criar valor recíproco alargando e criando marcas dentro deste contexto lusófono. Por exemplo, conceptualizando como visão estratégica empresarial, a PT, esquecendo de vez a Vivo, juntamente com congéneres dos PALOP e Brasil poderia formar uma marca que operasse dentro deste espaço comum, berço para uma competitiva brand global.
- A elevação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa para um patamar superior, constituída como instância principal defensora e reguladora do idioma. No respeito pelas características escritas e faladas de cada território, dotada com competências numa fusão das Academias de Letras dos países membros, tornando-a reconhecida universalmente como a casa-mãe da língua portuguesa.
- Uma concertação politíca para uma estratégia comum equilibrada, coerente e regular no que respeita à intervenção e participação dos países de língua portuguesa em organismos internacionais, em particular no Conselho de Segurança da ONU.


3.
Daí que a hipotética integração da Guiné Equatorial fere de morte os actuais e os acima propostos objectivos para a CPLP. Esta foi constituída, para além da comunhão da língua portuguesa, com os princípios básicos, inscritos nos estatutos, do "primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social". Em nenhuma destas condições se encontra o regime deste país africano, nem tão pouco a ditadura de Teodoro Obiang pode invocar razões históricas cuja distância se perde para lá das brumas do tempo. A única razão concreta que a adesão deste ex-território colonial espanhol é crua e simplesmente o petróleo. Diversos membros da CPLP estão a passar por cima dos preceitos fundacionais da comunidade, desprezando valores éticos civilizacionais, farejando oportunisticamente um fornecedor mais barato procurando hipocritamente e ingenuamente multiplicar uma projecção económica que apenas favorece (in)determinados interesseiros. A CPLP demonstra uma profunda imaturidade e falta de consciência colectiva ao apreciar de antemão positivamente a inclusão da Guiné Equatorial no seu seio. Apenas Portugal não manifestou a sua opinião, o que, face às circunstâncias deste caso, não retira a sensação geral de uma incapacidade decisiva, quer na definição própria da sua individualidade, quer no aparente desnorte na defesa dos princípios da CPLP já invocados.
Nada contra o estatuto de membro associado desta Guiné ou de qualquer outro país. É evidente que uma comunidade necessita de parceiros económicos, mas a periclitante relação com um país destas características tende com perigosidade entre a necessidade e a hipocrisia. O reforço dos valores de boa governança e de respeito democrático e social têm de ser requisitos formais a adicionar aos estatutos da CPLP.
Se na reunião de Luanda, ao mais alto nível, os chefes de Estado e de Governo da CPLP aprovarem a adesão de pleno direito da Guiné Equatorial, o conceito fundamental perecerá diante todos, tentando os responsáveis esconder o embaraço num lavar de mãos inconsequente pois transformará uma ideia de progresso num ideal sem ética e de mero centro de negócios.


4.
A definição estratégica da língua portuguesa não poderá ser concretizada sem um conceito novo da ideia lusófona. Tirando partido do poder da língua nos mais diversos aspectos de uma comunidade de mais de 200 milhões de falantes de português, idealizar mais longe é um objectivo estratégico. Que parta do primado da união na diversidade, da emoção no contacto, da singularidade nos afectos, da herança no futuro, da pluralidade na força, da palavra no mundo. A defesa da língua é a projecção da sua soberania. É proporcionar os meios para a valorização da identidade, promover uma existência orgulhosa, viva e colorida da língua. A coabitação fraterna é a implementação da sua força e na luta para reduzir as assimetrias no desenvolvimento dos cuidados de saúde, da melhoria das condições das sociedades.
De tal forma que estes vectores constituem uma marca por explorar, um brand multinacional de exponencial vantagem competitiva, com capacidades para uma socialização moderna e uma multiplicação de valor. O riquíssimo património que nos une é uma mais valia de importância estratégica internacional. Desaproveitar os vastos recursos ao dispôr é desrespeitar todo o valor humano e histórico dos seus falantes.

Talvez por isso, esta comunidade dentro deste conceito mais lato devesse ter outro nome, mais atraente, funcionando como tradutor positivo desta ideia. Estou em sintonia com o que escreveu há alguns anos o escritor angolano José Eduardo Agualusa: "Os ingleses foram mais hábeis quando construiram a sua Commomwealth [Bemcomum]. É uma bela palavra. E não há nada como iniciar um projecto, qualquer projecto, a partir de uma bela palavra. Talvez valha a pena pensar noutra expressão. Algo como Irmandade. Fraternidade; ou melhor, como sugeriu recentemente o escritor timorense Luis Cardoso, durante a Festa da Lusofonia, em Lisboa: a Fraternidade da Fala."
Consagrados num abraço natural dos países históricos onde o português é a língua materna, esta comunidade também poderia acolher territórios onde o idioma nascido há centenas de anos permance, como em Macau e na Índia. Sempre como condição obrigatória e exemplar dos seus membros possuirem relações claras e inequívocas de proximidade e comunhão linguística e histórica, intrínsecos valores democráticos e de respeito pelos direitos humanos.
Eu sugiro "Fraternidade, Comunidade da Língua Portuguesa".
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